Às 38 semanas e 5 dias, numa consulta de rotina, depois de ser observada, o médico diz-me, com toda a naturalidade, que estava tudo pronto e que no dia seguinte eu iria ser internada, pois, a parede do útero estava muito fina e o mais seguro era eu fazer o trabalho de parto monitorizada do início ao fim. Comecei por ficar um pouco angustiada, pois, para mim, eu estava "normal"- como é que eu no dia seguinte iria estar em trabalho de parto?! Mas antes que o
stress começasse a apoderar-se de mim, a primeira coisa que fiz foi ligar à
Enf. Luísa, com quem tinha feito o curso de preparação para o segundo filho, no Centro do Bebé, e pedi-lhe ajuda -
ela sabia como era importante conseguir um parto natural. E foi ela que me ajudou a preparar tudo, sobretudo a encontrar-me comigo mesma, com a Laura e a concentrar-me apenas em coisas boas e que libertassem muita ocitocina.
E, na verdade, se tinha havido o toque, o mais certo era começar a sentir contracções, por isso, o melhor era aproveitar essa oportunidade para desencadear o processo espontaneamente. E assim foi: a partir das cinco da tarde já mal conseguia falar e as contracções eram cada vez mais fortes e com intervalos cada vez mais curtos. Também é verdade que ainda passei duas horas a tratar das compras de última hora, também fui buscar o Vicente à escola, que naquele dia ele insistiu em ir ao jardim jogar à bola e fomos; voltámos para casa, e comecei a tratar de tudo e a fechar as malas. Ao início da noite, voltei a ligar à Enf. Luísa, pois estava na hora de perceber se aquilo era mesmo a sério e, seguindo o seu conselho, tomei um banho de imersão longo, à luz de velas, ao som de uma música relaxante e conversei muito com a Laura, expliquei-lhe que tinha chegado a nossa hora e que só precisávamos uma da outra para conseguirmos chegar onde queríamos. Aquele banho não fez abrandar as contracções, pelo contrário, por isso, era chegada a altura de irmos para o hospital, de onde já não me deixaram sair.
Comecei por pedir um CTG sem fios, uma bola de pilates e nada de medicamentos; era verdade que estava com contracções, mas havia ainda um caminho a fazer e eu não ia arriscar estagnar tudo ali. Fui pedindo para baixarem as luzes das salas onde estava, quando não era possível, simplesmente fechava os olhos e mantinha-me longe daquele ambiente hospitalar. Até às oito da manhã já não consegui dormir mais, foram horas passadas a andar às voltas no quarto ou, então, sentada na bola de pilates. A cada contracção, eu respirava tal como a Enf. Luísa me tinha ensinado - e sem fazer cara feia. De manhã, chegou o meu médico que, sem rodeios, rebenta as membranas, o que fez com que deixasse de me poder levantar. Voltei a ficar mais tensa, a dilatação não tinha evoluído durante a noite e agora eu já não podia sair da cama. Pensei no que ainda conseguiria fazer ali, naquela nova etapa, e lembrei-me que ainda podia bascular a bacia e, à medida que o trabalho de parto ia avançando e que eu ia sentido a Laura cada vez mais encaixada, fui respondendo com os movimentos que o meu corpo me pedia.
A primeira dose da epidural só veio bem mais tarde, quando finalmente me convenceram que ela iria ajudar o útero a dilatar, mas foi a única até estar na sala de partos, mesmo a entrar no período expulsivo, e a dose mínima possível. Eu não podia "adormecer", não podia deixar de sentir o estímulo do meu corpo, pois era ele que me ia guiando naquilo que eu tinha que fazer. A Enf. Luísa tinha-nos explicado que o pico da dor efectivamente resultante da contracção era muito curto, e era nisso que eu pensava: de cada vez que vinha uma nova, eu fechava os olhos, respirava, deixava passar e descansava até a próxima.
Quando chegou a hora de ir para a sala de partos, a minha felicidade aumentava, havia uma energia que se apoderava de mim e afastava tudo o resto e, a partir daí, foi a experiência da minha vida, foi como se eu estivesse a nascer de novo. Levei outra dose de epidural, supliquei para que fosse mínima novamente, se eu estava bem e a bebé também, eu precisava continuar a sentir tudo aquilo, pedi para baixarem as luzes, ligaram a música, não havia mais pessoas do que as realmente necessárias e quando chegou a hora de fazer força, fiz, sem pensar em mais nada, sempre de olhos fechados, à espera do momento certo. Fui buscar todas as minhas forças, pensava no Vicente, imaginava a Laura até que ela chegou até mim, eu segurei a minha filha, puxei-a para o meu peito e nada mais importava. Era eu e ela, numa relação quase animal, primata e tão intensa. As lágrimas caíam-me pelo rosto, ao mesmo tempo que senti uma paz imensa dentro de mim - e lembro-me que, nesse momento, tocava "Se acaso um anjo viesse" da Ana Moura, curioso, não?!
Ao longo daquelas horas, eu sei que fiz muitas perguntas, que questionei muitas coisas, que quis saber exactamente como é que cada coisa iria acontecer e porquê, posso até dizer que fui chata mesmo, mas eu só queria sentir-me segura, uma segurança que ninguém me deu no primeiro parto. O meu médico foi uma pessoa extraordinária, desde a primeira consulta, mas foi no dia do parto que o meu respeito e admiração por ele cresceram! Ele respeitou-me muito, mesmo quando eu resisti em seguir os seus conselhos e ele soube dar a volta, com muita sensibilidade e sempre respeitando a minha vontade. Depois, as enfermeiras, todas elas, sem excepção, mas tenho que falar da enfermeira que me acompanhou no parto, foi ela que me explicou exactamente o que fazer, foi ela que a cada contração me ajudava a fazer força exactamente no momento certo, que me deu a mão e que se emocionou comigo. Outra enfermeira que, quis o destino que naquele dia estivesse de serviço, foi
a nossa querida Carmen Ferreira. Ter uma cara amiga, alguém que conhecemos e em quem confiamos, foi muito importante; ela esteve comigo antes, e a seguir, para me ajudar logo com o início da amamentação. E, claro, a
Enf. Luísa e a Constança Ferreira que estiveram sempre disponíveis em todas as horas do dia e da noite para me ouvirem e que me deram toda a força como se estivessem ali ao meu lado. A cada uma destas pessoas, ao próprio hospital em si, que encontrei, desta vez, muito mais virado para o lado humano, devo um grande agradecimento.
O texto é longo, eu sei, mas eu queria muito partilhar esta experiência convosco, sentia que vos devia mostrar que uma experiência menos boa não pode condicionar-nos no futuro e que há sempre alguém para nos ouvir e ajudar. Eu consegui um parto natural após uma cesariana, um parto lindo, cheio de emoção que me fez apagar por completo a mágoa de ter ter tido uma primeira experiência tão impessoal e tão triste. Finalmente, eu encontrei a minha paz...
"Tu estavas no meu lote de mães que precisavam de redenção. Estavas aguardando para sentir isto e eu só senti que devia proteger esse teu sonho"
Obrigada Constança, obrigada por nunca largares a minha mão, desde a primeira vez que falei contigo há três anos atrás.