É preciso acontecer o pior, para darmos valor?
Uma avioneta caiu ontem, durante uma aterragem de emergência, numa praia em S. João da Caparica. Uma avioneta que levou duas vidas, um homem de 58 anos e uma criança de apenas 8 anos, e que colocou muitas outras a temer o pior naquele que seria um dia normal de praia. Li o relato da Maria Ana Ferro - que estava lá sozinha com os seus três filhos - e tremi da cabeça aos pés, primeiro, incrédula e, depois, angústiada por tudo o que ela deve ter sentido naquele momento.
O terceiro pensamento foi o de gratidão, à vida e à sorte - se assim o quisermos e porque acho que é preciso cada vez mais sorte, para não sermos nós a estar no sítio errado à hora errada. Se não o fosse estaria apenas a ser egoísta. Penso sempre nessa "sorte" tamanha, mas que, ao mesmo tempo, passamos os dias a deitar pela janela. Desperdicamos a sorte que temos com as discussões egoístas, com os momentos que passamos aborrecidos, com passeios que não aproveitamos e aqueles que deixamos de fazer porque nos falta a emoção e a vontade para os marcar, as férias e os fins-de-semana marcados pelas discussões parvas e pela falta de paciência. Deixamos que o tempo passe, que nos leve os momentos (preciosos da nossa vida) sem que deles se façam memórias felizes.
Os dias passam e eu apercebo-me que tudo o que tenho é tão valioso de tão efémero que pode ser. Uma avioneta caiu na praia, um fogo tornou-se indomável, um combio descarrilou, um avião caiu, fora os fanáticos que matam em nome da sua religião e tantos outros acidentes estúpidos. E nós? Nós a discutir pelas coisas mais insignificantes que existem. Não entendo o ser humano, mas continuo a esforçar-me todos os dias para o tentar entender e por ser uma pessoa melhor. Sei que sou desprendida, que consigo desligar com facilidade das más energias e das pessoas, sei que não forço relações que não fluem naturalmente, que procuro evitar ao máximo as conversas de circunstância, que falo de menos para a minha condição de "ser mulher", e, no fim de contas, apercebo-me que há um instinto qualquer no comum dos mortais que precisa do confronto, de fazer ouvir o seu ponto de vista, que precisa provar que tem razão ou, pelo menos, que precisa apontar os defeitos do outro para o fragilizar.
Uma avioneta aterra na praia e centenas de pessoas viveram o pânico das suas vidas, sentiram que tudo se podia perder ali e nós? O que fazemos nós, que temos uma sorte imensa por estarmos vivos e em segurança todos os dias? Desperdiçamos tudo o que temos por conta do nosso umbigo?
Será que somos assim tão egoístas ao ponto de, no dia em que uma tragédia destas acontece, sejamos incapazes de esquecer tudo o resto e simplesmente abraçar aqueles que amamos, sussurando-lhes ao ouvido que temos a sorte grande?!
Boa tarde!