A previsão de passar a Páscoa com apenas 45km de autonomia…
Vivemos num país privilegiado pelo clima, pela gente, pela gastronomia, pela ausência de catástrofes naturais, com excepção dos fogos que nos atormentam todos os anos durante o verão, protegido (por enquanto) de atentados e em que, talvez, o nosso maior flagelo é a precaridade com que muitas das famílias vivem e o ordenado mínimo ser tão baixo.
Vivemos em paz, podemos dar-nos ao luxo de andar com o carro na reserva porque não existe falta de combustível, podemos fazer compras praticamente todos os dias porque não existem falhas no abastecimento de alimentos nos supermercados, sendo que a oferta e a diversidade dos produtos, é cada vez maior e ainda bem.
Vivemos tranquilamente a nossa vida, metade do mês mais felizes do que a outra metade em que contamos os dias para recebermos o vencimento. Mas vivemos felizes – ou pelo menos deveríamos – não há epidemias, nem doenças de maior e fazemos parte do conjunto de países desenvolvidos com grandes facilidades a vários níveis.
Talvez por isso se perca a facilmente a cabeça e se cai no exagero quando alguma necessidade básica fica ameaçada. Ficamos obcecados com a nossa própria necessidade e, sem nos apercebermos, fomos todos igualmente impulsionadores das consequências desta greve dos combustíveis.
Quando me apercebi do que estava a acontecer, estava no carro, a luz da reserva tinha acabado de acender e, lá pelas 17h quando me dirigia para casa, era impossível pôr combustível em qualquer das bombas perto da minha casa. Achei ridículo e desnecessário, achei mesmo. Tinha 80km de autonomia, ainda fui trabalhar na quarta-feira e, quando se ouviu que haveria reposição em algumas bombas de abastecimentos, lá fui eu - ingenuamente mais uma vez – nessa altura, já o caos estava instalado, havia carros vindos de todo o lado, havia carros com o porta bagagens cheio de garrafões com combustível.
Voltei para trás e estacionei o carro. Já não podia ir muito mais longe, mas hoje acordámos com a notícia de que a greve tinha terminado (para já, até final do ano). Foram três dias de greve e eu penso que se tivéssemos feito a nossa vida normal, se teria havido este caos, se teria havido a “seca” de combustíveis e até quem ficasse com as suas férias da Páscoa e o encontro com a sua família comprometido.
Contribuímos todos um pouco para esta histeria, causamos o pânico na cidade com o excesso de trânsito, o excesso de caos, o excesso de ânimos exaltados e o excesso de suposições sobre os cenários mais negros. Um cenário que já aconteceu uma vez e que voltou a repetir-se, portanto, é possível acontecer uma terceira e o de que forma nos iremos proteger ou defender?
Volto ao início deste texto, vivemos num país onde não fomos forçados a viver para antecipamos situações de caos, não vivemos a pensar que um dia podemos ficar sem água, sem combustível ou sem comida. Reagimos no imediato e lançamos o caos geral e acabamos por colocar em causa o possível funcionamento da sociedade, pensado que é melhor poupar para outros que precisem mais, neste caso, os autocarros, as ambulâncias, os bombeiros, etc…
Vi a minha vida resumida aos próximos dias a 45km de autonomia, comecei a pensar no que seria mais urgente e para que é que aqueles quilómetros seriam efectivamente necessários. Olhem, fui ao supermercado e trouxe mais garrafões de água, a bebida vegetal e tudo o que fosse mais pesado. Depois, pensei que vamos trocar de carro num futuro próximo e que quero optar por um híbrido, pensei que daqui não quero viver no limite e sentir que de um dia para o outro não temos nada.
Pensei que vivermos entre o trabalho do pai e a escola dos miúdos é uma grande vantagem na nossa vida e que nos traz alguma estabilidade, penso igualmente que, no geral, temos muita sorte, o que não nos permite ter a capacidade de agir racionalmente em situações extremas.
Feliz Páscoa para todos!