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As viagens dos Vs

Mulheres nutridas, famílias felizes

As viagens dos Vs

Eu fui (e sou merecedora) de todo este tempo!

16.03.21 | Vera Dias Pinheiro

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Durante muito tempo senti culpa.

 

Senti culpa por estar a viver um pós-cesariana que, para mim, estava a ser traumático e por viver um fracasso – aos meus olhos – da amamentação. E na segunda volta da maternidade, senti culpa por não estar a saber lidar com a privação do sono.

 

Mas a culpa não se resume à maternidade. Também senti culpa por não ter sabido resolver a situação de bullying que vivi num antigo emprego e por me ter despedido. A culpa perseguiu-me até ao cansaço, físico e emocional de tantas mudanças de vida, de país, de casas – se soubessem como a experiência de viver fora pode ser tão solitária…

 

Senti culpa por estar à beira do abismo quando descubro que a minha mãe tem cancro e, pouco tempo depois, devastada quando a perdi. Cheguei a sentir culpa pela forma avassaladora como a perda dela abalou quem sou enquanto pessoa. E, claro, culpa por me sentir esgotada com tantas frentes durante este ano de pandemia e como se não fosse suficiente, a culpa por não ter um trabalho estável.

 

Ainda assim, houve outra culpa a colar-se a todas estas: por pedir atenção, carinho, compreensão, por mendigar que me dessem a mão porque eu não estava a conseguir sozinha, porque na verdade eu não queria fazê-lo sozinha. Estava cansada de tantas coisas a acontecer num espaço de tempo tão curto. E claro, quando te sentes incompreendida, sentes a culpa quando as atitudes tentam gritar aquilo de cada vez que as palavras não se fazem ouvir.

 

Senti culpa por estar completamente perdida, sem rumo, ao ponto de querer desistir de tudo.

 

Amarras e mais amarras, culpa e mais culpa que tentei decifrar, descobrir, perceber de onde vinham. Procurei respostas por vários caminhos: psicóloga, espiritualidade, conversas com pessoas com uma inteligência emocional desenvolvida. Acreditava realmente que o problema era eu!

 

Todavia, sentia-me sempre frustrada: procurava as respostas, chegava até algumas delas, porém, sem qualquer efeito. Foram muitos períodos de total ausência de motivação, a sentir-me uma fraude e, por isso, escrevi menos, partilhei menos, tirei menos fotografias porque montar uma aparência, forçar palavras bonitas não é para mim. Como também não é partilhar estes estados sombrios aos outros sem que antes eu consiga ter algum discernimento para os compreender.

 

No entanto, tal como aconteceu com o momento em que consegui ver com clareza os abusos pelos quais passei no trabalho – atitudes mascaradas com justificações para centrar o foco em mim – também agora consegui ter espaço para olhar para trás e ver que voltei a passar pelo mesmo.

 

Procurei as respostas todas em mim, quando na verdade aquilo que estava à minha volta não é o certo, não é o justo e não é tão pouco o que preciso. O errado é não ter empatia, não ter amor, não ter um abraço quando o pedimos. O errado é querer imputar aos outros uma culpa simplesmente porque não queremos ou não conseguimos olhar para nós próprios.

 

Orgulho-me da minha facilidade em pedir desculpas, não me orgulho assim tanto da forma como muitas vezes me exprimo para tentar mostrar o que estou a sentir. Orgulho-me de não ter medo de olhar para mim, de perceber o quão imperfeita sou, o tanto que tenho para melhorar e aprender e desta minha busca interna por ser genuinamente uma pessoa melhor. Mas sê-lo apenas por ser, sem esperar nada em troca. Apenas para que todos os dias quando me deito, me sinta em paz comigo.

 

Não posso carregar a bagagem dos outros, não posso sentir uma culpa que não é minha. Eu não perdi a capacidade de amar, de desejar, de querer e até mesmo de lutar. Sou fiel às minhas escolhas. Porém, é importante que, pelo caminho, não me esqueça de que não posso querer menos do que aquilo que eu mereço e nem tão pouco achar que me é indevido. Porque não é assim.

 

Levo tempo a chegar a este estado, de conseguir olhar para a realidade à minha volta “de fora”. Levo muito tempo e é um caminho sinuoso, nada equilibrado, durante o qual tenho todas as emoções em mim, desde a raiva, à fúria, passando pelo choro, o desespero e a angústia… até que depois chego aqui: livre de culpa e sem medo.

 

Agora percebo que não era culpa, mas a pressão dos outros, as exigências, as expectativas de quem te faz acreditar que não precisas de tempo para viver as tristezas, de tempo para as sarar as feridas e reergueres-te. Como se fosse possível viver sem emoções, sem oscilações de estados de humor, sem falhar, cometer erros… Mas amar, para mim, é perdoar, é acomodar o outro num abraço, mesmo quando não sabemos o que dizer.

 

 

Chega de culpas! As minhas! As vossas! A de todos nós!

 

 

 

 

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