Ser Filho Único Ou Ter Irmãos?
O que há de tão especial na relação entre irmãos?
Este tema é assunto porque tenho alguns amigos/pessoas próximas que, ponderando uma série de factores racionais e objectivos, sentem receio em avançar para um segundo filho. A responsabilidade, os encargos e uma vontade soberba de que nada lhes falte são alguns dos motivos que suportam essa reticência. E é completamente válida, pois o mundo actual é bastante exigente, em que praticamente nos sentimos colocados num certo patamar de estilo de vida (nomeadamente pelos aumentos dos custos fixos de vida) que nos obriga a trabalhar mais, a fazer mais cedências em prol dos filhos, sobretudo da sua educação e do futuro que desejamos para eles.
Vivemos numa sociedade que nos leva a dar demasiada atenção ao dinheiro e a ter os “cifrões” como elemento importante na tomada de uma série de decisões. E sim, o dinheiro é essencial, claro que sim, mas não é um valor em si mesmo, não pode – não deveria ser – um fim/objectivo. No final, não será o dinheiro que nos trará o bem-estar que precisamos e a paz interior que tanto desejamos.
No meu caso, ter apenas um filho nunca foi uma opção. Tinha todas as certezas de que era minha “obrigação” dar um irmão ou irmã ao Vicente e já tive prova de que foi das decisões mais acertadas da minha vida e só isso já era suficiente para eu continuar convicta de que é importante ter irmãos.
Na verdade, o que acontece é que eu cresci a ouvir constantemente que “onde comem três, comem quatro”.
E nestes curtos anos enquanto mãe de dois guardo já momentos marcantes, por exemplo, do início da nossa instalação em Bruxelas, momentos em que, nas dificuldades, o Vicente e a Laura foram o apoio um do outro. Vi, com os meus olhos, a forma como se procuravam um ao outro, muitas vezes, em substituição do pai ou da mãe, em como conversavam e a profundidade da sua relação mesmo com a tenra idade de ambos.
Sei que a palavra do Vicente tem um valor para a Laura e que o Vicente não pensa duas vezes quando é preciso defender a irmã ou ajudá-la. E para não falar da cumplicidade, que foi crescendo também por força das circunstâncias, a própria mudança levou a que, durante três meses, tivessem que ser os melhores amigos, porque não tinham mais ninguém. Aprenderam a brincar um com o outro, a tolerar-se um pouco mais e a aceitar-se. E eu vi tudo isto a acontecer e a crescer. As idas ao parque eram momentos de pura observação para mim daquela interacção entre irmãos.
Naturalmente que a partida da avó – não gosto de dizer morte – marcou-os muito. E mais uma vez, tiveram que se apoiar um no outro. Fosse por verem a mãe, em certos momentos, bastante preocupada e, depois, desolada. Fosse por sentirem também o pai apreensivo, preocupado e a tentar dar-me algum apoio.
Mas, por outro lado, eu também sei que as pessoas crescem, as personalidades são diferentes e nem sempre a relação entre irmãos é assim tão forte e inabalável - eu sei pela minha própria experiência. Contudo essa experiência e vivência pessoais mostraram-me algo que eu ainda não tinha sentido de forma tão clara e absoluta ou, pelo menos, com a consciência que a minha história de vida e idade agora me permitem ter, a relação de sangue e a ligação entre irmãos tem mesmo algo de diferente e especial. E isso é o resultado também dos valores inegociáveis que nos foram passados pelos nossos pais.
A doença da minha mãe aproximou duas irmãs e foi tal e qual como se fosse um íman, com a capacidade sublime de apagar divergências, discussões e tudo mais que um dia nos pudesse ter afastado. E garanto que nenhum outro abraço me confortou tanto no dia do funeral como o da minha irmã. A linguagem visual, o entendimento sem serem precisas palavras, o conforto da companhia só por si. Se tivesse passado por tudo isto sem a minha irmã teria sido ainda mais doloroso.
Portanto, eu acredito muito que os irmãos têm a capacidade de se unir nos momentos fulcrais da vida, sou a prova de que podemos ficar sem pai e sem mãe e, inevitavelmente sentir uma espécie de orfandade que só é colmatada pela existência da minha irmã, a minha família de sangue, as minhas referências, um apoio que estará sempre lá e que juntas enfrentamos qualquer coisa. Sem ela viveria com um sentimento de solidão muito grande dentro de mim, ainda que hajam amigos que são famílias (de verdade e eu tenho a sorte de ter uma mão cheia de amigos assim). Porém, nesta fase de vida tão delicada, o que senti com ela não sinto com mais ninguém e acho que isso explica muita coisa.
E a mãe, esteja onde estiver a olhar para nós, estará certamente muito feliz e orgulhosa. Afinal, foi ela quem proporcionou tudo isto. Como tal, a par com este coração vazio e dolorido, está igualmente um coração cheio de amor e feliz por esta família que tenho.