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As viagens dos Vs

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Como Fazer O Luto De Alguém Que Amamos Mesmo Muito?

Luto: A Despedida E A Eterna Saudade

10.02.20 | Vera Dias Pinheiro

como fazer o luto aceitar a morte de uma mãe

 

Antes de qualquer coisa, sinto a necessidade de partilhar algo com vocês: eu vivi com uma pessoa os seus últimos anos de vida sem o saber. E não mudaria nada do que foram esses anos, não acrescentaria nada, não apagava nada. E, neste luto tão duro, apazigua-me a alma saber que as despedidas foram todas feitas em vida, com os abraços, os beijinhos, as conversas e os momentos (que, mais tarde, se transformarão em bonitas memórias, pois agora é só dor e tristeza).

Isto é, para mim, uma aprendizagem de vida enorme que me transformou e que transformará certamente os meus filhos.

 

Há uma semana atrás fiz a despedida mais dura da minha vida. Já perdi o meu pai, da maneira contrária, sem pré-aviso e com todo o choque que a morte de um pai ou mãe representa na nossa vida, pois, pela primeira vez, senti que me “roubavam” os pilares de quem eu sou, sem que eu me sentisse capaz de ser quem sou sem esses pilares. Percebem?

 

Era bem mais jovem, uma adulta em formação e fiquei sem chão, ferida e revoltada. Só há pouco tempo tinha encontrado a serenidade que tanta falta me fazia, sem ter “sede” de justiça ou sem remoer nas atitudes más dos outros. Fui aprendendo a enfrentar os problemas e a resolvê-los mesmo não tendo sido eu a causadora. Enfrentei mudanças atrás de mudanças, contudo, foi nesse processo que tive igualmente a clara certeza de que “quem muda, Deus ajuda”. Porque nunca nada me faltou e acabei sempre por encontrar a melhor solução para esses problemas e, a verdade é que, a seguir acabava por ficar sempre um pouco melhor.

 

Até há sete meses atrás encontrava-me nessa altura da minha vida serena… serena até ao momento em tudo foi novamente colocado em causa e eu senti-me novamente encurralada, pressionada a ter que tomar as decisões mais acertadas, a ser mais racional e viver com um discernimento e uma objetividade que me permitissem ver o “certo ou errado” para além da emoção e dos sentimentos. Para além da angústia com os porquês e a injustiça.

 

Entre o diagnóstico da doença da minha mãe e o fim do seu sofrimento, passaram-se (apenas) sete longos meses na vida da nossa família. Vivi completamente esmagada com a responsabilidade de ser mãe e ser adulta perante as nossas escolhas de família e a profunda angústia por deixar longe a minha mãe (com esta doença tão grave e sem remédio), o pilar da vida de todos nesta casa. Não poder dar um abraço no preciso momento, não estar na primeira quimioterapia, não lhe tocar quando o contacto com ela já ia muito pouco para além disso. E, por fim, não estar no final e (agora) viver para sempre com a tristeza de não ter conseguido dar-lhe um último abraço, porque partiu quinze minutos antes daquele avião aterrar.

 

Vivi estes últimos sete meses em tensão, a viver no limite porque sentia que sempre que chegava até ela aquela doença já tinha roubado mais um pouco. Ainda assim, “enquanto há vida, há esperança” e a esperança foi alimentada pelos “prazos” que foram ultrapassados e pelas palavras que nos dirigiam… Porque nós, mesmo com todas as certezas, criamos a esperança que ainda podemos ser o milagre, a excepção à regra.

 

E por mais que nos digam que o cancro permite que nos preparemos para a morte, é mentira. Dói na mesma e dói mais, porque o cancro é uma doença cruel, sem piedade do corpo de quem se apodera.

 

E agora?

Agora vivemos entre o constante “tens que ter força”, mas, ao mesmo tempo, “tens que viver o teu luto”, entre o “tens que te distrair!” e o ser importante não “saltar etapas”. Não sei efectivamente como se vive o luto, parece que não aprendi nada com a primeira vez e não tenho conselhos para dar. Sei que ando numa fronteira muito ténue entre o querer desparecer por um tempo e a responsabilidade de ser mãe, de saber que é preciso reagir a tudo isso e, sim, eu também sei que é preciso “fazer aquilo que deixaria a minha mãe orgulhosa”.

 

Mas sabem?

Ainda nem se quer me habituei a ideia de que para falar com ela terei que olhar para o céu, em vez de lhe ligar. O vazio não se preenche de um dia para o outro e perder uma mãe é ficar sem nada e eu não perdi “apenas” uma mãe. Eu perdi muitas pessoas numa só!

 

Eventualmente farei o luto pela minha vida fora – é preciso aceitar a morte, mas também a doença e esta doença deixa marcas. Eventualmente a alegria muda de cores e de configuração. Eventualmente terei que me reinventar. Mas permito-me sofrer, chorar e, acima de tudo, sentir todas estas dores e todo este mal-estar sem que isso faça de mim uma pessoa mais fraca ou tão pouco que não honre a minha mãe – ela melhor do que ninguém sabe como a sua filha é emocional, sensitiva e… de lágrima fácil.

 

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