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As viagens dos Vs

Mulheres nutridas, famílias felizes

As viagens dos Vs

Monday has been cancelled | Fazer reset a esta semana

15.10.19 | Vera Dias Pinheiro

viver fora do país com filhos pequenos

 

Para mim hoje foi segunda-feira com o pequeno senão de que amanhã já é quarta-feira e, tanto o Vicente como a Laura, terminam a escola às 12h sem almoço. E depois, passa-se quinta e sexta-feira e, se setembro foi um mês longo, outubro está a passar a voar.

 

O fim-de-semana foi intenso, daqueles em que, quem vê de fora, vê uma família super cool, mas essa família está a todo o momento a gerir um momento de tensão qualquer: ou são as birras sem motivo algum; os pedidos a cada cinco segundos; as implicâncias entre irmãos e não menos fácil, a tensão que inevitavelmente se gera entre o casal. Há sempre um que tenta abafar as birras para se ter uma refeição em paz e há sempre outro que uma opinião divergente. É normal, faz parte, é assim todos os dias, diria é assim com 98% dos casais, mas há alturas em que causa um pouco mais de fricção.

 

E é neste campo que a vida de expatriados nos pesa em particular. Não temos com quem dividir o tempo, não há uma avó por perto, não há outra rede de apoio. Para qualquer situação, somos nós os quatro que nos temos que valer uns aos outros para o bem e para o mau, mesmo quando precisamos do nosso espaço (face aos restantes).

 

E era neste ponto a que tinha chegado na segunda-feira. No ponto em que me programei até ao momento em que os deixava na escola e que depois ficaria (finalmente) sozinha! Porém, quis o destino ou o Mercúrio que está a assumir a sua posição retrograda” a manifestar-se. Escola da Laura fechada – lapso meu que não me lembrei que tinha sido havida que naquele dia teria que a deixar num outro edifício – e com o apertar das horas para deixar o Vicente e o trânsito a seguir, regressei a casa não sozinha, mas com a Laura – ela feliz da vida!

 

Contudo, se esta miúda nos tinha dado um fim-de-semana dos horrores, estava divertida e bem-disposta, a corroborar a teoria de que eles, quando estão sozinhos, portam-se sempre melhor.  E assim foi, mas foi também um dia em que anulei tudo o resto, em que não teimei que tinha que fazer tudo o que tinha em mente mesmo com ela ali por perto. Dei-lhe atenção e sobretudo, deixei-me ir naquela boa onda dela que é coisa tão rara.

Soube-me bem ter a minha filha bem-disposta e querida comigo. Soube mesmo!

 

Em Bruxelas a vida está de facto orientada de outra forma e os filhos são uma prioridade. Ainda não sei bem como a maioria das famílias se organizada, mas a verdade é que à hora de saída os portões das escolas estão cheios de pais à espera dos filhos. Os parques estão cheios de crianças e na cidade, grande parte em bicicletas, veem-se mais pais e filhos a andar de um lado para o outro.

 

Há minha volta vejo uma coisa que para mim era raro. Vejo muitos pais e filhos por todo o lado a qualquer hora do dia. Ainda não descobri o segredo para esta gestão familiar ou talvez não seja segredo, é assim, sempre foi. E tão natural que ninguém estranha se as quartas -feiras a escola encerra as 12h e nos restantes dias as 15h20. A sensação que eu tenho é que estou sempre com os meus filhos, passamos realmente muito tempo juntos e fazemos muitas coisas em conjunto seja as aborrecidas como as idas ao supermercado, seja as mais divertidas como ir ao parque ou as lojas do bairro que eles mais gostam.

 

A minha grande dificuldade é mudar este chip que em “apenas cinco anos” ganhei nessa pressão de ter que ser a mulher que tem que provar que é mãe mas tem que ser boa profissional e vice versa. É ok ter momentos da nossa vida em que temos que dar prioridade a outras coisas, em que vida muda e com isso temos que nos dedicar aos reajustes e a adaptação. É ok porque ser uma mãe ou pai presente, de tal modo que deixa de ter uma ocupação profissional convencional, é um papel exigente e totalmente absorvente, pelo menos foi dessa forma que eu, por um conjunto de factores e acontecimentos da vida, escolhi desempenhar este papel.

 

Passam-me mil e um pensamentos pela cabeça, mas podia dizer que tenho mil e uma ideias e projectos na gaveta, mas não tenho! Não tenho numa carta a sair da manga nem agora nem no futuro mais imediato. Sou muito grata por todas as oportunidades que vêm ao meu encontro e desempenho-as com todo o brio profissional que tenho e mais houvessem, contudo não tenho margem para ser mais proactiva do que aquilo que sou agora. E sabem? Também é ok estar assim, é ok viver estas fases, porque eu acredito que são momentos importantes para o que virá no futuro, porque estamos a trabalhar o nosso eu, estamos numa bolha de reflexão e isso muda-nos quer queiramos quer não.

 

Já me tinha esquecido do quão intensa é vida de expatriado, do quão profunda é a vivência interior, os dilemas, os medos, a ansiedade! É tudo isto, é verdade, mas desta vez eu já sei que vou ser levada para um outro patamar da minha essência, da forma como eu olho para mim, mas também da forma como eu encaro o mudo à minha volta. E isso é bom. Traz-me um desprendimento que me permite ser mais feliz e mais livre (de preconceitos, estereótipo, amarras, pressões...).

 

Boa noite.

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