Quando o Cancro Bate À Nossa Porta... | Testemunhos Reais #5
Quando o cancro nos bate à porta, não é apenas o doente que sente a vida a fugir-lhe mesmo diante dos seus olhos. A família, que o apoia, sente imediatamente a vida em suspenso, numa angústia súbita e inexplicável. O medo e, ao mesmo tempo, alguma incredibilidade pela notícia que está a receber.
É que desta vez não se trata apenas de mais uma notícia de alguém que conhecemos que tem cancro. Desta vez é connosco, é a nós que o coração gela e o medo… o medo… nos assombra no primeiro instante em que ouvimos a palavra cancro, medo esse que não nos larga mais.
Basicamente, é a sensação de estar a viver um pesadelo, contudo um pesadelo que não termina quando nos levantamos de manhã.
A verdade é que não sei como será suposto viver a partir daqui. Não sei que prazer conseguirei tirar da vida quando alguém que amamos – e que representa o mundo para mim - tem cancro.
Diria que 99% das pessoas, logo eu e muitos de vocês, é sempre um bocadinho egoísta por achar (ingenuamente) que só acontece aos outros. É verdade que sentimos o respeito, a compaixão e solidariedade por quem trava essa batalha. Contudo, é quando acontece connosco que percebemos que sabíamos tão pouco (e ainda bem) do peso que esta doença representa para o doente e para a sua família. É quando passamos para o outro lado que percebemos que os sentimentos que se apoderam de nós são impossíveis sequer de imaginar e muito difíceis de digerir.
Posso dizer que fiquei lívida quando recebi a notícia e que a minha garganta passou a ficar sempre mais seca da angústia e completamente preenchida por um nó. E é aí que eu volto a colocar a pergunta: como é suposto viver a partir deste momento? Como?
Parte de mim é a dor que sinto, como se eu própria me sentisse também doente, não sei explicar de outra forma. Outra parte de mim, é a vontade de querer dar colo, dar a mão para só voltar a largar quando o tal nó se desapertar e conseguirmos voltar a respirar novamente. E ainda outra parte de mim é uma força, que mesmo que não exista, tem que fazer parecer que existe, tem que passar essa mensagem ao nosso cérebro e que tem que dominar os nossos pensamentos e as nossas palavras.
Se há coisa na qual eu acredito mesmo é que a cura desta doença se faz com a confiança nos médicos e nos tratamentos que fazem parte do protocolo, mas também (muito) da atitude do doente perante a mesma, da sua fé e da sua crença de que vai ser capaz de vencer!
E, pela minha experiência até aqui, há uma vida antes e depois do cancro/da notícia. Sinto-me petrificada pelo medo, mas não posso! Sinto-me que tudo aquilo que posso fazer é pouco, mas não posso! Sinto-me que dava pouco valor ao sentido da vida, porque é inevitável e, por isso, cada segundo do nosso dia passa a valer muito mais.
Os abraços são demorados, as conversas mais longas, as brincadeiras mais frequentes, repetir o quanto gostamos dessa pessoa de forma incansável e, no fundo, agarrar a vida com todas as forças que temos, as mesmas que usamos para afastar o medo e todos os pensamentos maus.
E, pese embora, toda esta carga negativa que se abateu sobre nós e do medo real que tenho desta doença, sou daquelas que acredita também no seu poder transformador e na forma como pode representar um renascimento para o doente, assim como, daqueles que privam de perto, que acompanham e cuidam do doente de cancro.
A partir daquele momento, deixei de fazer mais planos, como tal, não me perguntam o que faço amanhã ou depois de amanhã. A partir daquele momento, agradeço todos os dias pelo facto de estar viva e com saúde – o simples facto de respirar é suficiente - por poder abraçar os meus filhos. Fazer planos para a vida parece-me demasiado egoísta neste momento…
Ouvi de uma doente oncológica por estes dias que vencer o cancro é só para os teimosos e eu acredito ter uma teimosa em casa, por isso vou lembrá-la todos os dias disso mesmo!
A todos aqueles que privam de perto com esta doença, muita força e sejam teimosos! Muitos teimosos!
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