Sobre sentir que realmente pertencemos a um lugar
Para quem tem acompanhado o blog e o Instagram, sabe que não estou a passar férias com a restante família, como planeado, e sabe também que o cancro bateu à nossa porta e exigiu que tudo o resto ficassem em stand-by. É uma doença feroz, rápida e implacável e, infelizmente, com toda a evolução da medicina, ainda não perdeu o peso (e o medo) que recai sobre o doente e a sua família.
O cancro é uma doença de todos e, por isso, a minha decisão foi ficar junto de quem precisa de mim neste momento. E isso faz com que eu esteja a passar uma estadia prolongada em Santarém, a mais longa dos últimos anos, na verdade. Porém, tirando os motivos menos felizes, estar aqui faz-me sentir segura e protegida. Sinto-me em casa, onde eu realmente pertenço e onde, das últimas vezes, me ponha a imaginar como seria regressar e viver aqui.
Gosto de andar pelas ruas da cidade, passar pelo Largo do Seminário, pelo Liceu Sá da Bandeira e, claro, as Portas do Sol, de parar na Bijou para tomar um café (ou comer o pampilho...) ou, simplesmente, ficar pelo bairro fazer as rotinas com a minha mãe, como ir à mercearia, parar no café da nossa rua e ouvir sempre, de cada vez que venho cá, os inúmeros elogios das amigas dela. Afinal, é a “Verinha” – a mesma Verinha de sempre - que foi para Lisboa e que a partir daí raramente passaram a ver. Porém, quando me encontram fazem uma festa e demonstram um afecto genuíno. Gosto disso e da sensação do tempo que abranda, um tempo que hoje em dia sinto que é tão pouco para conseguir agarrar uma vida.
Voltar a Santarém é, no fundo, voltar a casa e essa sensação é única e especial. Aqui tenho a casa que tem a minha história, a história de quem eu sou, tal como eu espero que os meus filhos sintam com a casa onde eles vivem. Ainda assim, hoje em dia somos muito mais “saltitões”. Mudamos de casa com mais facilidade e de cidade. Por isso, às vezes, penso se os meus filhos terão esse mesmo sentimento de pertença com Lisboa ou Bruxelas – nem sei bem - como eu tenho com Santarém.
Talvez haja um momento na nossa vida em que tal como cheiramos os nossos filhos desde que nascem, naquela necessidade quase primária de progenitora, há um momento em que tudo aquilo que precisamos é de o fazer com os nossos pais. Sentir o seu cheiro, deitar-nos ao seu lado na cama, passar tempo só por que sim, dar a mão, dizer o quanto gostamos e reconhecer o trabalho imenso que eles tiveram durante uma vida para nos educar e fazer de nós a pessoa que somos hoje. Há um momento em que a única coisa que sobressai é o amor incondicional e isso é transformador e faz com que nada mais importe. O amor incondicional basta-nos, torna-nos fortes e inabaláveis.
Precisava voltar a casa também para isso, para encontrar essa força, para me encontrar comigo mesma e saber quem eu sou. Precisava porque a vida exige de nós essa força e que apenas encontramos quando regressamos às nossas origens, porque a força que precisamos tem que vir do mais profundo de nós próprios.
Neste sentido e tendo vindo eu preparada com tudo aquilo que precisava para trabalhar e ser produtiva, aquilo que não consegui ser no último mês, eu senti que precisa deste tempo e preciso ainda, mas escrever é uma espécie de catarse e há coisas que eu preciso exprimir numa espécie de terapia. Porque de repente, percebi que o “slowliving” que tanto apregoamos, é já demasiado rápido para mim. Preciso de viver cada fracção de segundo do hoje, do momento presente.
Nunca tive tanto medo do amanhã como agora. Nunca senti tanta incerteza como agora. Nunca senti que passamos a vida a desperdiçar a própria vida como agora. Entendem?
Passamos uma vida a criticar este mundo e o outro. Passamos uma vida à procura de problemas onde eles não existem e, depois, literalmente de um momento para o outro, percebemos que, afinal, tudo pode mudar e que aquilo que precisamos para sobreviver e ser felizes é mesmo invisível aos olhos. Portanto, se quer prolongar o tempo, é fundamental gostar de si e cuidar de si, como também ter amor ao próximo nas mais pequenas coisas.
Gostar de si é, acima de tudo, saber como é importante ter cuidado com a sua alimentação e como ser activa são coisas fundamentais para prevenir doentes (muitas delas, muito graves), assim como, combate-las. Nunca é tarde para recomeçar e ser melhor consigo mesma e se não for por si, que seja pela vontade que tem em estar perto dos que ama muitos e muitos anos.
E, para além disso, dê mais do seu tempo aqueles de quem gosta, em vez de mitigar esse tempo com chatices que não importam nada. É aprender a pôr para trás das costas coisas das quais não gostamos e engolir uns quantos sapos. É desinibir-se e dizer mais vezes “gosto de ti”, “amo-te”, abraçar e beijar sem motivo.
O tempo não volta atrás, isso é certo, o presente e rápido e o amanhã está completamente fora do nosso alcance. Tenho aprendido a aceitar os obstáculos da vida com uma serenidade que me esforço por ter. Acredito no propósito de que nada acontece por acaso e que Deus sabe o que faz.
O presente que vivo é intenso e doloroso, é verdade, porém, há um amor que me enche o coração e que acontece o que acontecer, vai estar sempre comigo.