Vivemos constantemente a tentar esticar o tempo!
A mudança da hora fez mossa. Fez aos miúdos, mas também a mim. Hoje adormecemos e foi o Vicente quem nos acordou. Eu recordo-me de ter desligado o despertador, mas achava sinceramente que seriam apenas mais 5 minutos e não 1h30 como acabou por ser…
Ainda assim e mesmo com um atraso valente, o dia lá se orientou da forma que era suposto. E a verdade é que, entre as 08h30 e as 09h10, eu já tinha despachado duas crianças, já as tinha deixado em duas escolas diferentes, tinha entrado no ginásio, alterado a consulta de 3 anos da Laura e entrado em contacto com um senhor para nos vir arranjar a máquina de lavar roupa.
Nem imagino o caos que será se este senhor não me ligar amanhã a confirmar a disponibilidade para vir de imediato arranjar-nos a máquina. É confiar!
Fiz um treino mais acelerado para justificar a ida e não me deixar ficar ali na passadeira. Tomei banho, segui para o dentista – mais um dente cariado arranjado, falta agora apenas um – tinha a drenagem marcada, porque eu dependo da minha drenagem linfática semanal, de preferência à segunda-feira e depois de um fim-de-semana com alguns excessos. E, entre uma coisa e outra, ainda aproveitei para falar com a pediatra do Vicente, pois deitou-se com uma dor de ouvido ontem à noite e hoje acordou com uma otite que rebentou…
Já está medicado! E vários vivas à nossa pediatra que é impecável e nunca nos deixa sem resposta. E levamos tempo até chegar aqui.
Cheguei a casa e almocei já com o computador ao lado. Pois, no meio da correria, a verdade é que tive pela frente apenas 3 horas exaustivas a trabalhar sem distrações para ser o mais produtiva possível. Às 17h tinha que estar na escola do Vicente para uma actividade, mas antes, não esquecer de deixar a chave para arranjar na drogaria ao lado de casa.
Chegar já em cima da hora do caos e tratar do jantar, da roupa, que foi toda lavada naquela loja de rua de lavar e secar roupa, mas, entretanto, fui tramada por aquela chuva do final de dia no domingo.
E o Vicente, do alto da sua ingenuidade de criança, perguntava-me quando os deitei, porque é que os pais ficam acordados depois das crianças irem dormir…
Às vezes, na maioria das vezes, ficamos a fazer as coisas que não conseguimos fazer durante o dia. Faço muitas vezes as coisas que menos prazer me dão: arrumar a cozinha, varrer, dobrar roupa…
E o mais engraçado – e quase inacreditável – são todas as outras mil coisas que ficaram por fazer, algumas até relevantes. E há inevitavelmente alguém que se lembra sempre e apenas do que ficou por fazer.
Mas e o resto? O resto que foi basicamente aquilo que preencheu as 24h do meu dia? As coisas diferentes que fiz, os recados, as demandas e exigências às quais atendi? Não é nada justa que não se valorize o esforço do outro, que não se agradeça tudo o que se fez, mesmo que outras coisas tenham ficado para trás.
Não estou aqui para ser linear, mas a verdade é que este papel é desempenhado maioritariamente pelas mulheres. Esta abrangência de funções, esta espécie de polvo humano que toca em todo o lado, é aquilo que resume o nosso dia-a-dia.
Quem assume este papel, quem tem a seu cargo os filhos e a casa pela sua (aparente) maior disponibilidade de tempo, acaba sempre por expor demasiado, consome todos os nossos minutos e chega a ser aflitivo, pelo menos eu sinto isso, talvez por estar mais exposta ao trabalhar em casa. Sinto-me, por assim dizer, mais vulnerável porque ainda continua a ser difícil perceber como é que uma pessoa como eu não tem tempo para atender a tudo e todos naquele exacto momento.
A pressão de quem tem um trabalho das 9h às 18h continua a ser mais legitima do que aquela de quem está em casa. E nós, mulheres, em particular, porque ainda olham para nós como se essa capacidade multifacetada e polivalente fosse uma espécie de dádiva, em vez de perceberem que é igualmente um esforço que levamos a cabo diariamente.
Se calhar temos realmente algum tipo de superpoderes. Será?
Ainda assim, estou numa fase da minha vida na qual me debato entre aquilo que eu faço diariamente e o tudo o resto que eu ainda queria fazer por mim.
Boa noite.