Uma ode a “todas as coisas maravilhosas”
Na sexta-feira, aconteceu-me uma coisa incrível e que, de certa forma, determinou o meu estado de espírito neste fim-de-semana e, talvez, para os próximos meses.
Não sou a pessoa que dá esmola, não sou a pessoa que liga aqueles que andam atrás de nós a pedir pelas ruas, nas portas dos supermercados e por aí fora. Já ajudei, mas também já me senti enganada e, por vezes, até roubada. Portanto, opto por demonstrar a minha solidariedade e forma como me importa com o outro, de mil e uma outras maneiras.
Porém, na sexta-feira, já após a hora de “recolha” dos miúdos na escola, tivemos que ir ao supermercado. E fui inesperadamente abordada por um senhor, como qualquer outro, a pedir comida. Por algum motivo, eu quis saber o porquê de estar ali e senti que o devia ajudar!
Estava com os miúdos, expliquei-lhes o que o senhor me tinha pedido e seguimos a nossa vida. A saída, voltei a ver o senhor, no mesmo lugar, separei, ali mesmo, algumas bolinhas de pão, que o Vicente faz questão de trazer, juntei um pacote de bolachas Maria e fomos entregar-lhe. Falei mais um pouco com ele e fomos para o carro.
Mas ele veio novamente ter connosco. Veio agradecer-me o pacote de bolachas Maria, porque iam dar-lhe muito jeito. Dali a umas horas, quando tudo já estiver fechado, ele costuma ir até uma das lojas abertas 24h, onde pede um café com leite quente. E, hoje (e talvez, próximos dias) poder molhar aquelas bolachas, era algo que ia deixá-lo mais aconchegado (e quente).
À noite, enquanto assistia à nova peça do Ivo canelas, “Todas As Coisas Maravilhosas” - um monólogo poderoso sobre a importância da vida em torno de uma lista com as coisas mais maravilhosas (da vida), aquelas que nos permitem sobreviver aos piores momentos das nossas vidas - uma das entradas daquela lista, era, imaginem, “comer bolachas molhadas em café com leite!”
As lágrimas caíram-me, não só por que a peça em si é já demasiado envolvente, como pelo episódio que tinha acontecido naquela tarde e que eu ainda não tinha esquecido.
Eu não acredito em coincidências, sabem?
Por um lado, fiquei mais tranquila em relação aquele senhor. Pois, fiquei com esperança que, naquela mesma noite, possa ter-se realmente sentido feliz e com esperança no amanhã.
E eu, que vivo momentos importantes e de mudança na minha vida, sosseguei, pois, a felicidade pode resumir-se a um número de coisas que podemos levar connosco para qualquer lado, que podemos partilhar com quem amamos, que podemos viver sem sair de casa. A felicidade e a esperança podem estar em coisas tão banais, como por exemplo:
- A Senhora que trabalha na loja ao lado de casa, que, sempre que vê o Vicente e a Laura aproximarem-se, vem até à porta perguntar como eles estão.
- As “laranjas da dona Alice”, a outra vizinha que, sempre que pode, traz um saquinho de tangerinas do seu quintal para a Laura.
- A massagem que os cabeleireiros nos fazem enquanto nos lavam o cabelo.
- O silêncio da nossa casa, a partir do momento em que temos um bebé. O silêncio é muito mais aconchegante… sei lá.
- Podem ser tantas as coisas que, por tão banais que são, podemos nem ligar ao efeito que têm em nós.
Tivemos um fim‑de‑semana cheio, sem dúvida! Foram dois dias vividos para os amigos, os amigos de todos os dias, que já são parte da nossa casa; os amigos que vivem longe e cujos encontros são obrigatórios quando estamos próximos geograficamente; e os amigos dos nossos filhos, a quem abrimos a porta de nossa casa para que construam laços e percebam que os amigos, quando são se verdade, não estão dependentes de uma escola ou qualquer outro espaço físico para que a amizade se construa.
A vida é boa. Sabem? Mesmo quando nos trata menos bem, a vida é boa, pois é a única forma que ela encontra para nos obrigar a abrir os olhos e a dar valor às coisas mais importantes. A vida é boa, porque, com o tempo, vamos percebendo e fazendo as escolhas que preenchem “as coisas maravilhosas”. As coisas que dão sentido à vida; as coisas, às quais nos agarramos quando estamos menos bem; as coisas que nos dão suporte para enfrentar as mudanças. Sem esquecer, aquelas que nos fazem rir, que nos distraem, que nos ensinam ou que nos aguçam a curiosidade!
São todas “as coisas maravilhosas” que temos à nossa volta e na nossa vida, que nos permitem sobreviver ao caos, às mudanças, ao desespero e que contribuem para viver com mais intensidade as alegrias!
Obrigada aquele senhor que estava à porta do supermercado, pela “lição” que me deu e obrigada aos amigos que tiveram a ideia de ir ver a peça “Todas As Maravilhas”, em cena no Estudio Time Out, no Mercado da Ribeira.
Boa noite!