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As viagens dos Vs

Mulheres nutridas, famílias felizes

As viagens dos Vs

O que teriam feito se estivessem no meu lugar?

10.10.18 | Vera Dias Pinheiro

educar um filho

 

Os filhos crescem e os desafios apenas se alteram. A intensidade com que se vive a maternidade continua, as preocupações passam a ser outras e as dúvidas, que nos colocamos a nós próprias, relativamente à melhor conduta, continuam a assolar a nossa mente.

 

Enquanto mãe e educadora, há algo que me caracteriza, que é o esforço pela coerência entre aquilo que eu digo e o que eu faço. É o não ceder apenas para evitar o choro, é o não voltar atrás só porque o meu coração (de mãe) amolece com facilidade. Contudo, eu sei reconhecer que tenho muita sorte, pelo menos para já, com os meus filhos. Cada um tem as suas características e traços de personalidade próprios, porém são ambos extremamente educados, respeitadores, têm a noção de como se comportar, de acordo com a sua idade naturalmente. Enfim, tenho consciência de que temos sorte e que não há muito mais que possamos exigir deles, porque tudo o resto diz respeito ao facto de serem crianças e há coisas que as crianças precisam fazer.

 

No entanto, aos cincos (quase seis) quase seis anos do Vicente, sinto começar a entrar numa nova fase e a lidar com outras características e traços da sua personalidade. Começo a sentir que é ainda mais importante que seja consistente nos meus comportamentos, pois isso é decisivo para a consolidação do adulto que será.

 

E esta semana fui completamente colocada à prova pelo Vicente...

 

Todas as manhãs, os dois exigem o pequeno-almoço no segundo imediatamente a seguir a acordarem. E até agora têm sido crianças privilegiadas, no sentido em que, por exemplo, não são sacrificadas com o trânsito caótico da cidade, não acordam de madrugada para ir para a escola, não passam muito tempo em deslocações e têm muito tempo de qualidade com a família. Há sempre alguém muito presente diariamente nas suas vidas. Todavia, a única "contrapartida" que lhes é exigida é que se despachem entre o acordar e o sair de casa sem pedirem para brincar, sem se distraírem com tudo e mais alguma coisa que nos faça perder tempo. 

 

E, uma destas manhãs, o Vicente teve uma birra épica, das raras, muito raras, acontecerem ultimamente. E paenas por uma mera mania sua e por consequência do comportamento que estava a ter. Acho que tomam como adquirido que a vida gira em torno deles em exclusivo e que não há equilibrio.

 

Talvez, conhecendo o meu marido, acho que teria voltado atrás para evitar todo o escandâlo que se fez, mas eu senti que era importante ser firme na minha decisão.

 

O Vicente está numa fase de rapaz crescido, liga à roupa, ao cabelo, vive num mundo dele, leva o seu tempo até concluir alguma coisa, perde-se inclusivamente no seu tempo e, entre aquilo que eu lhe peço e o tempo que ele demora até o fazer, bom… há um gap temporal gigante. Ainda assim, se o chamo à atenção mais do que uma vez, faz birra e diz que não é preciso; se levanto a voz, fica sentido, porque não há necessidade. Mas o que é certo é que é preciso sempre chatear-me para sairmos a horas de casa.

 

Ora, nesta manhã, num mood particularmente lento e particularmente sensível a tudo o que eu lhe dizia, optei, a certa altura, por me calar. Despachei a irmã, deixei a sua escova de dentes pronta e fui-me vestir. E ele? Ele nada. Estava a brincar deitado no chão do quarto. Só quando percebeu que íamos sair de casa é que começou a ficar nervoso. E porquê? Porque o cabelo não estava do jeito que ele gosta.

 

Exclamou, escadas a baixo e estrada a fora, que era o menino mais feio da cidade e que toda a gente ia olhar para o cabelo dele. Berrou que não queria mostrar aquele cabelo feio a ninguém. Entrou na espiral de dizer que, todos os dias, ia assim, feio, muito feio para a escola. Respirei fundo e continuei firme, expliquei, à medida que ia conseguindo falar, que, depois de ter feito uma birra por tê-lo chamado para se despachar, eu respeitei-o. Contudo, eu preferiu brincar. Não se importou com o creme da cara, com lavar os dentes, mas o cabelo, e só por causa do cabelo, é que ele estava a reagir daquela maneira.

 

Continuou a espernear, escadas a baixo e estrada a fora. Nunca encontramos ninguém, mas naquela manhã, encontramos o vizinho do andar de cima, a mulher, a filha e o cão. Que, sem mal, tentaram conversar com o Vicente, de alguma forma acalmar a histeria, mas sem sucesso óbvio!

 

Quando estacionei à porta da escola, já a explodir por dentro, voltei a tentar conversar com ele. Expliquei, então que, a beleza, de um menino ou menina, não está no cabelo, é algo que vem de dentro e das atitudes que tomamos. Expliquei também que, embora ele só vá assim para a escola por responsabilidade dele, ninguém iria reparar no cabelo. Já, pelo contrário, os gritos, o choro e tudo o que ele estava a fazer, estavam a chamar a atenção de toda a gente que passava por nós. E essas pessoas nem repararam no cabelo, só no comportamento menos positivo. E, por fim, disse-lhe que estava muito triste, pois nunca o deixei sair de casa sem o despachar (cabelo, cara, dentes, perfume... tudo), mesmo que tenha que insistir todos os dias para que se despache e, por isso, estava triste com a sua atitude.

 

Nesse momento parou. Limpou as lágrimas e pediu-me várias vezes desculpa. Fomos em silêncio até à escola e, antes de entrar na sala, disse-lhe que, ainda assim, poderia remediar a situação. Poderia ir à casa de banho e colocar água no cabelo e ele lá foi – agora mais confiante de si.

 

Dali fui ao ginásio, esquecer aquele episódio e recomeçar o dia. À saída telefonei ao meu marido e pedi-lhe a sua opinião. Eu estava segura, todavia, a ideia não era punir o meu filho ou sujeitá-lo a uma situação embaraçosa – e o cabelo não estava assim tão mau – era apenas ajudá-lo a compreender algumas coisas, que, para mim, são importantes, nomeadamente esta questão da beleza e a consequência das nossas próprias atitudes.

 

Não me incomoda que seja um menino vaidoso e atento a essas coisas, nada disso. Contudo, quero que não perca a noção e que se deixe ir apenas pela vaidade.

 

Se fosse com vocês, como teriam reagido nunca situação destas?

 

Boa noite.

 

 

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