Esta coisa de acharmos que são só os filhos dos outros
Eu tenho dois filhos e ambos completamente diferentes um do outro. No fundo, completam-se e isso é maravilhoso – e o mais importante. Acho também que isso pode contribuir para uma maior união e intimidade entre os dois e isso, tranquiliza-me. Tranquiliza-me saber que se têm um ao outro e que se tiverem juízo, não irão permitir que futilidades ou besteiras se intrometam na sua relação e no sentimento que têm um pelo outro.
Mas os dois são bastantes diferentes tanto ao nível da personalidade como das atitudes e temperamento e o mais engraçado é que a mãe e o pai são os mesmos. E, posto isso, a edução e os princípios que tentamos incutir e passar aos dois são igualmente os mesmos, não se alteraram entre um filho e outro. E isto serve para vos dizer que “nunca digas nunca”. Não existem verdades absolutas para nada e a maternidade não é excepção. Ter toda uma moral para dizer que um filho nosso jamais fará alguma coisa ou criticar o filho alheio por uma determinada atitudes, alegando que se fossem vossos filhos, é só abrir um precedente para, mais cedo ou mais tarde, poderem ter uma grande desilusão.
Na reunião que tive com aquela que será a educadora da Laura, dei por mim a dar uma série de recomendações sobre a Laura que, embora não me deixassem feliz, também não posso passar-me um atestado de má mãe. Não há nada que tenha feito de errado com ela e que não tenha feito com o Vicente e vice-versa. Mas a verdade, é que, na roda da sorte dos filhos, há segunda, calhou-me a criança com instinto para se defender sem qualquer pudor. É aquele tipo de criança que não se deixa ficar e que luta até ao fim por algo que é seu, mas que também não se fica atras na disputa por algo que queira.
Lembro-me bem de estar com uma amiga, num banco do Parc Royal, em Bruxelas, ambas mães de primeira viagem, eu que ia continuar com o Vicente em casa e ela prestes a deixar o seu, pela primeira vez, na creche. Um dos temas da nossa conversa, naquela tarde, foi precisamente “o que preferias, que o teu filho fosse mordido ou que fosse aquele que desse a mordidela?”
Hoje, anos mais tarde e com um segundo filho, acho que a questão não deverá ser debatida desta forma, porque idealmente todas nós queremos filhos que se saibam defender – embora sem recorrer naturalmente a este tipo de comportamentos. Contudo, não posso negligenciar, à partida, uma criança que morde outra, sem, pelo menos, olhar de forma mais abrangente para a situação. E, acredito, que, para a grande maioria, seja tão simplesmente uma maneira de se defenderem. Com a Laura é assim. Ela não é uma menina com um instinto mau. É, por contrapartida, uma menina de personalidade forte e com a certeza daquilo que quer e não quer. E isto, é algo que aprecio bastante nela.
Não gosto que morda, é um facto. Todavia, durante anos, andei a fazer o trabalho oposto com o irmão. O de o incentivar a ser mais atrevido, de não se deixar sempre ficar para segundo plano, o de não ceder… e nisso, temos todos que agradecer à Laura, porque foi um incentivo positivo para trabalhar estes aspectos da sua personalidade. Aprendeu a defender-se em casa, quando foi forçado a defender o seu espaço e as suas coisas.
Todos nós, pais, sabemos aquilo que queremos dos (e para os) nossos filhos, mas devemos ter a humildade suficiente para reconhecer que eles não irão obedecer sempre ao padrão ideal. Não vão crescer numa linha recta, não aprendem as coisas da forma que nós mais desejaríamos e, sim, teremos que aprender a lidar também com as situações de que menos gostamos e com alguns dos comportamentos que mais reprovamos.
Haverá algures um equilíbrio. Um equilíbrio entre aquilo que eles são e aquela que é a sua personalidade e aquilo que nós, enquanto educadores, conseguimos incutir-lhes, passar-lhes e exigir deles.
E aqui, eu reconheço que sou uma mãe bastante dura nas regras, mas, acima de tudo, na consistência e coerência. E, ultimamente, tenho trabalhado muito a minha capacidade de diálogo especialmente com o Vicente e a da causa-consequência com a Laura. Às vezes, apetece simplesmente carregar na pausa, outras pergunto-me se falo chinês e o porquê de ser tão complicado que percebam o que digo ou que façam o que peço. Mas rapidamente, olho para eles e fixo-os no meu olhar e aquilo que vejo são duas crianças pequenas. São crianças que, entre o dever de terem regras, têm o direito a serem crianças. São dois seres humanos que, na maioria das vezes, só precisam que lhes dediquemos tempo e muita paciência.
Jamais serei capaz de “castigar” a minha filha por não gostar de certas reacções e não irei, de forma alguma, fazer disso o seu cartão de visita. Mas é uma realidade, que nasceu com ela, ao ponto de não depender exclusivamente de mim mudar de um dia para o outro. Recuso-me a bater ou a responder na mesma moeda, portanto, espero que esta fase passe e que continue a ser trabalhada e, a partir de setembro, com a ajuda da escola.
Portanto, a mensagem que quero deixar é simples. É uma mensagem de não julgar o outro em momento algum e sem sequer fazermos um esforço para nos colocarmos no seu lugar. E se fosse connosco, como seria? Qual seria a nossa reacção? De que forma reagíramos? E será que iríamos ficar felizes por ouvir determinado comentários?
Não são estes comportamentos que definem a minha filha e não são esses que quero evidenciar e isso é mais do que uma certeza, é uma certeza absoluta!
Boa noite!