Incêndios: Uma tragédia sem memória em Portugal
O verão ainda não começou e o ano já está marcado como o pior de sempre no que diz respeito aos incêndios. Soube da tragédia de ontem/hoje quando acordei. Parecia quase irreal não fosse a subida constante do número de vítimas e as partilhas constante das imagens e das notícias chocantes. A manhã foi passando e o meu desconforto foi aumentando, mas ainda assim, preferi resistir a ligar a televisão e prender-me a toda esta tragédia.
Eu sou de Santarém, lembro-me bem dos Verões quentes marcados pelos incêndios, do barulho das sirenes dos bombeiros; do céu cinzento e das cinzas que caíam na nossa varanda. Lembro-me da preocupação e da inquietação das pessoas adultas. Lembro-me, mais tarde, de passar pelos locais afectados pelas chamas e de ver as paisagens inteiras devastadas pelas chamas. Havia um enorme respeito por esta altura do ano, os "antigos" diziam que as trovoadas secas/de verão eram as piores. Ninguém tinha autorização para se aproximar sequer das janelas. Cresci com respeito pelos trovões e pelas trovoadas e ainda hoje fico em casa e com tudo fechado.
Cresci em Santarém, com Verões muitos quentes. Lembro-me inclusivamente de dormir no chão da sala, porque era mosaico e junto à janela. Não havia Verão em que os incêndios dessem tréguas. Na aldeia da minha mãe cheguei mesmo a presenciar a luta das pessoas para apagar os fogos, os baldes de água, a união e a aflição de todos. O desespero.
Na escola sempre tive amigos bombeiros, rapazes, a maioria da minha idade, demasiado novos e já com heroísmos imensos dentro deles, ao qual consigo hoje dar realmente valor. Todos eles eram bombeiros voluntários. Ninguém estava a pagar àqueles rapazes para irem para o meio das chamas e para colocarem as suas vidas em risco para apagar um fogo, para salvar vidas. Hoje percebo o privilégio que tive por partilhado muitos anos da minha adolescência com verdadeiros heróis ao meu lado. E hoje que sou mãe, nem quero imaginar a aflição daquelas mães sempre que viam os seus filhos partirem sem terem a garantia do seu regresso.
Depois, penso em todas aquelas pessoas, as vítimas e os familiares delas. Penso em como a vida é efémera. Penso também em como, todos os dias, somos tão egoístas sem sabermos como isso nos está a retirar tempo para viver a vida no que ela tem de melhor. De um dia para o outro tudo muda e da forma mais inesperada. Muda quando regressamos de uma ida à praia, quando fazemos um simples passeio, uma corrida, uma viagem de carro... Muda e nós nada podemos fazer. Tudo acaba, sem tempo para uma última palavra, um último pedido de desculpas, um último encontro com aquela pessoa que não vimos há imenso tempo, sem termos feito aquelas brincadeiras que tínhamos prometido fazer... tudo acaba sem haver possibilidade para rigorosamente nada!
E agora pergunto-me se, perante tantas calamidades que vivemos no mundo, perante tantas vítimas inocentes... se perante o mundo em que hoje em dia vivemos, a escolha de sermos felizes perante cada novo dia que temos pela frente não será simplesmente essa a escolha certa? É que, se não for, não sei sinceramente o que será!
As minhas profundas condolências a todas as pessoas que perderam alguém que lhes é próximo nesta tragédia. Que haja força para trazer alento e esperança aos vossos dias.