Ser mãe faz-me pensar no papel de filha (da minha mãe)
Parece que, na nossa vida, as fases boas não podem ser transversais ou, se o são, duram pouco. Não sei se os abanões servem para nos lembrar que não nos podemos acomodar ou se esta história da vida adulta é mesmo um desafio constante. Digam-me vocês, conseguem ter uma vida completamente tranquila? Uma vida que seja um mar de rosas? É que a minha anda sempre com um reboliço qualquer que me vai aborrecendo, tira-me o sono, interfere no fluxo das boas energias... ou seja, nunca nada está sempre bem.
Neste momento, estou muito feliz com a volta que a minha vida deu em termos profissionais - aceitei o que o universo me estava a dar, arrisquei na mudança e agora, estou finalmente a colher os primeiros frutos de todo o enorme investimento que tenho feito em mim - e isso, obviamente, tem retirado algum tempo à minha total dedicação à casa e aos filhos, desde há quatro anos a esta parte. Talvez, inconscientemente, isso esteja a mexer com todos nós, mas se não for por isso, haverá um outro motivo qualquer, pois sinto novamente um certo reboliço a acontecer, são desafios, obstáculos e muita dificuldade em dar o salto até conseguir adaptar-me a sabe-se lá o quê..
À parte da própria gestão da casa, que eu achava que conseguia fazer tão bem, mesmo nas altura em que tinha o Vicente comigo 24 horas por dia, sinto o próprio papel de mãe a ficar frágil e levar os primeiros embates mais a sério. Ambas as coisas, já partilhei com vocês. E a verdade é que, à medida que o tempo vai passando por mim - pois, ele não passa apenas pelos nossos filhos - é que eu vou desenvolvendo o meu papel enquanto mãe e que, ao mesmo tempo, vou aprendendo a dar valor ao meu papel enquanto filha (que fui da minha mãe e também ao seu papel).
Já sinto na pele muitas e muitas vezes o efeito daquilo que tanto me irritava ouvir da boca da minha mãe: "deixa filha, um dia, quando fores mãe, verás". E cá estou, neste momento, a tirar-lhe o chapéu a tudo o que ela fez por mim, tanto o certo, quanto o errado. TUDO foi importante para a pessoa que também sou hoje e sobretudo, foi importante conseguir reconhecer este valor que nós durante imenso tempo, quando somos crianças e adolescentes, não lhes queremos atribuir. E mesmo assim, eu não fui das jovens mais rebeldes e que mais confrontos tivesse com os seus pais, mas isso não invalida que muitas coisas me tirassem do sério, porque tiravam.
O que sinto quando o meu filho diz que não gosta de mim, quando tem o instinto de me querer bater, quando não me ouve, quando se deita no chão em qualquer lado que esteja, quando me sinto cansada demais e percebo que não há jantar feito... tudo isto que eu sinto, a minha mãe já sentiu, já viveu, já teve que aprender a lidar, já se repreendeu quando errou e nunca, mas nunca desistiu da sua dedicação às filhas, sobre qualquer outra coisa, ela está sempre lá para nós.
Somos quem somos também como fruto dos papéis que vamos desempenhando nas várias fases da nossa vida. Aquele em que me encontro neste momento é o de conseguir agradecer-lhe tudo o que ela faz por mim, a forma como aprendeu a respeitar-me e ela própria a controlar o seu impulso de mãe, aprendeu a dar-me espaço e a ouvir-me. Reconheço-lhe a capacidade de trabalho e a entrega que dá às filhas, um altruísmo tão verdadeiro que sinto que hoje em dia, dificilmente a nossa geração o consiga ter. E porquê? Simplesmente, porque os tempos mudaram, as mentalidades e as formas de estar também, e isso nada tem a ver com o facto de estar certo ou errado. Porém, ainda assim, é motivo para que, muitas vezes, me sinta um pouco aquém das expectativas. Acho que deveria ter a capacidade para dar um pouco mais em certos momentos. Mas a minha mãe faz tudo com a mesma dedicação, mesmo quando gosta menos de alguma coisa. Por exemplo, eu não gosto de passar a ferro e, por isso, só o faço quando é mesmo necessário; a nossas refeições são muito básicas; nem sempre tenho a mesma vontade e a paciência para as tarefas domésticas; canso-me mais rapidamente do que ela, claramente.... Há momentos em que olho para ela e que me sinto (talvez) um pouco aquém do que seria esperado.
Será? Nunca deram por vós com este tipo de pensamentos a passar-vos pela cabeça?
Boa noite