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As viagens dos Vs

Mulheres nutridas, famílias felizes

As viagens dos Vs

Sim, sou mãe a tempo inteiro e agora?!

09.11.15 | Vera Dias Pinheiro
Há algumas semanas atrás aceitei falar sobre a minha escolha pessoal/familiar de ser "mãe a tempo inteiro" para um artigo que agora saiu no Observador e que, apesar de ter um título com o qual pouco me identifico - "Quem são e como vivem as domésticas no séc. XXI" - eu achei importante dar o meu contributo sobre um tema tão polémico e tão alvo de críticas, preconceitos e juízos de valor, e com os quais não posso concordar.
Não gosto de rótulos, mas, por vezes, torna-se mais fácil se fizermos uso deles. Sim, eu - também - sou mãe a tempo inteiro, desde que o Vicente nasceu, em Janeiro de 2013, e antes do seu nascimento tive a oportunidade de ficar em casa e ter tempo para mim e para preparar a sua chegada. Tive tempo para descansar, um bem tão precioso e tão raro hoje em dia, ainda que me sentisse sempre culpada por fazê-lo; afinal, aquilo que é esperado - e que tantas, mas tantas vezes ouvi - é que a mulher trabalhe praticamente até ao dia em que dá à luz, que tire a sua licença de 4 ou 5 meses e que volte a correr para otrabalho - muitas vezes, tendo trabalhado durante esse tempo, a partir de casa. É esperado que os nossos filhos sejam ensinados na creche ou pela ama ou empregada que se encarregará de cuidar dele quando o dia do nosso regresso ao trabalho chega.
Tudo isto é mais que válido na nossa sociedade, tudo isto nos é imposto como sendo o certo e quem faz o contrário é visto de lado, a começar pelo local onde trabalha, pelas pessoas, quando nos perguntam o que fazemos, e pelos nossos amigos.... Mas é tão mal visto ser mãe a tempo inteiro, como a mãe que opta por fazer uma jornada contínua ou que faz o seu dia de trabalho sem pausas, para poder sair a horas - e não "mais cedo" como se prefere dizer.
Eu nunca me imaginei "mãe a tempo inteiro", sempre fui uma pessoa muito independente a todos os níveis, mas estou consciente de que fiz a única opção que era possível dentro daquele que era o nosso contexto familiar; no entanto, isso não foi suficiente para que esta opção que tivesse - e ainda tenha - muitas implicações subjacentes; com muitas cedências no nosso dia-a dia; que nos obriga a fazer muitas "contas à vida"; que me colocou perante muitos dilemas interiores e várias incertezas; porém, era a que nos permitia sermos mais felizes em família, dar a atenção que queremos ao nosso filho, e isso era o que mais importava quando colocávamos tudo numa balança.
Outras famílias confrontam-se com esta opção de vida obrigadas (por exemplo e infelizmente ainda muito recorrente, porque a mulher que engravidou perdeu o seu posto de trabalho); outras fazem-no porque nessas tais "contas à vida" que temos que fazer, ter a mãe em casa significa uma poupança quase superior a um dos rendimentos (com o prolongamento na escola, a creche desde cedo, etc...); outras fazem-no simplesmente porque sim, porque querem estar mais presentes, porque a vida de trabalho é tão exigente, com horários e ritmos muito pouco "pro família" e, em muitos casos, só nos deixando com tempo de qualidade para os filhos aos fins-de-semana e durante as férias.
Existem tantos motivos válidos e nenhum deles compactua com o facto de se tratarem de mulheres submissas e dependentes dos seus maridos, não se tratam de pessoas que vivem numa época medieval, não são mulheres que não fazem nada além de mudar fraldas, não são, tão pouco, mulheres desinteressantes. São mulheres que fizerem uma opção de vida, na grande parte dos casos, temporária, de ter tempo para as famílias, para os filhos, de estar presente e de assumir tudo o que o papel de mãe envolve. São mulheres que têm tanto valor como as outras mulheres que não abdicam das suas carreiras, que se realizam no seu trabalho. Porque não é qualquer pessoa que consegue estar em casa focada nos seus filhos a full time, dedicada à rotina de uma casa, às exigências com que se deparam, à falta de tempo para si, de sair à rua sem ter um carrinho para empurrar, um choro para acalmar....
Aliás, muitas destas mães a tempo inteiro acabaram por mudar de vida, arranjaram formas de se reinventarem, de ter uma ocupação, se terem a sua própria forma de sustento e de contributo para o orçamento familiar. São mulheres que inventam formas para conseguir trabalhar com uma criança sempre consigo e de manter alguns daqueles que são os seus interesses. São mães que se tornam mais preocupadas e exigentes consigo próprias, pois tudo depende delas e não se permitem falhar. Desenganem-se os que acham que uma mãe a tempo inteiro tem o filho em frente a uma televisão ou no parque a brincar; ela procura, ela estuda, ela cria rotinas e tenta desenvolver o seu filho para quebrar mais aquele preconceito de que a criança criada em casa é menos desenvolvida que aqueles que estão na creche desde muito cedo.
Eu cresci como mãe numa sociedade "pro família", livre de preconceitos, onde vejo mães felizes que acompanham os seus filhos até aos 2-3 anos, que passeiam com eles, que vão a museus, que o estimulam com o que de melhor existe que é o conhecer, explorar... viver. E que mal terá isso? Porque não se dá a devida importância ao papel da mãe nos primeiros anos de vida? Porque não se levam mais a sério os estudos que demonstram a atenção da mãe é fundamental para o equilíbrio do seu filho nos primeiros meses? Ou em última instância, porque não se aceita quem o faz, em nome do respeito pelas escolhas individuais de cada um, numa sociedade aberta e tolerante?
E a verdade é que nenhuma destas linhas era necessária se este tema não fosse tão controverso, se não fizesse surgir tão duras palavras. Na minha opinião, o propósito da nossa vida é o de sermos felizes, da forma como cada um se sentir realizado e preenchido no seu todo e precisamente porque não somos todos iguais nessa forma de realização é que temos o dever de aceitar a diferença do outro.
in Observador
Poderão ler o artigo na íntegra aqui.
Entrevista ao Jornal Observador
UA-69820263-1