Pais & Filhos | Consultório da Dra. Ana Guilhas [Escolhas Educativas - Parte 3]
01.09.15 | Vera Dias Pinheiro
Hoje fechamos o ciclo de textos sobre as escolhas educativas com chave de ouro. Nesta terceira parte, talvez a mais importante de todas, falamos de como educar os nossos filhos, com base no respeito e na confiança, passando os nossos valores, ensinado o certo e o errado e que determinadas atitudes têm consequências.
No fundo, ser pai e/ou ser mãe é ter a missão de educar e, por vezes, de ter que dizer não e de ser firme nas decisões que tomamos. O texto que se segue é para ler com atenção.
Escolhas Educativas
- Parte 3 -
O que os pais podem darde mais precioso a um filho, são sem dúvida AMOR e RESPONSABILIDADE.Com isto, estão reunidas duas grandes condições para que a criança possa ser,na sua infância, e mais tarde, na vida adulta, uma pessoa madura, capaz de amara si mesma e ao outro (com as respectivas empatias, solidariedade, inteligênciaemocional) e capaz de fazer escolhas que a permitam assumir a sua vida, para simesma (enquadrando direitos e deveres no grupo a que pertence, e equilibrando oque cabe a si e o que cabe ao outro).
Vimos anteriormente (Escolhaseducativas parte 1 e parte 2) que a repressão, a força e a manipulaçãodificilmente nos levarão a esse objectivo. Não têm um efeito verdadeiramenteeducativo, os resultados são de curto prazo, e prejudicam a relação pais-filhose a auto-estima da criança. Então, como fazer para educar um filho baseando anossa actuação no respeito e na confiança?
1.Clareza nas intenções, regras e comportamento esperado:
É fundamental que ospais tenham a certeza de que a criança sabe qual é o comportamento "maisadequado" a assumir numa determinada situação. É também fundamental que ospais tenham a certeza de que a criança já tem, em si, os recursos para o fazer. Por exemplo, só por volta dos 2 anos de idade é que a criançacomeça a integrar a noção de regra. Até lá, está apenas a tentar desvendar omisterioso e incómodo "NÃO". Por isso, formular regras elaboradasantes deste período, e esperar que a criança as cumpra, é irrealista. Até estaaltura, devemos manter a simplicidade do permitido vs interdito.Depois, e gradualmente, podemos avançar para uma organização mais elaborada dasregras, apresentando-as da seguinte forma:
- O discurso deve ser, sempre que possível, formulado pela positiva (ver porquê aqui).
- Usar as orientações e as regras numa vertente preventiva. Por exemplo, antes de ir ao supermercado com a criança, diga-lhe o que é que vão lá fazer e o que é que vai ser possível ou não fazer, com frases como: "vamos ao sítio x, para comprar coisas para a casa. Temos pouco tempo e por isso vou precisar da tua ajuda. Preciso que fiques perto de mim. Podes ajudar-me a pôr as coisas no carrinho, ajudar a lembrar-me das coisas que temos que comprar e ajudar-me a escolher os teus iogurtes. Podemos parar um bocadinho para veres as novidades na zona dos brinquedos, mas hoje, não vamos comprar nenhum. Combinado?". Neste exemplo, está a envolver a criança na tarefa, o que a vai ajudar a sentir-se parcialmente responsável pelo sucesso da saída. Para além disso, estará muito mais motivada e com vontade de colaborar. Sabe, à partida, que não vai comprar nenhum brinquedo, o que evita que essa frustração seja vivida no momento. No entanto, poderá ver o que há de giro, e quem sabe poderão comprá-lo, numa outra oportunidade.
- Devemos avisar com antecedência as mudanças de actividade. Por exemplo, é frequente os pais chegarem à sala e dizerem "desliga a televisão porque vamos jantar". A criança que pode estar a meio do episódio, e que, muitas vezes, ainda não tem noção da hora de jantar, sente-se frustrada e injustiçada porque não compreende a arbitrariedade dos horários. Se por um lado, existem situações em que não é possível avisar com antecedência, por outro, é muito importante que quando isso seja possível, os pais o façam. É uma forma de demonstrar que existem horários, sim, mas que os pais compreendem o facto dos filhos terem o seu próprio tempo e que respeitam aquilo que estão a fazer. Por isso, é importante dizer coisas como "vamos jantar daqui a um quarto de hora. Isso quer dizer que, nessa altura,vais ter que desligar a televisão. Talvez seja melhor não começares a ver o episódio que se segue" ou "mais 10 minutos e vamos para casa. Talvez queiras aproveitar para andares, uma última vez, nas coisas que mais gostas aqui no parque".
2.Confiar no nosso filho:
Na grande maioria dasvezes, colocamo-nos numa espécie de campo oposto ao do nosso filho, como setivéssemos que travar uma espécie de luta de poderes. Na realidade, éfundamental confiarmos na criança e expressarmos essa mesma confiança na suacapacidade de colaborar positiva e activamente, na estrutura familiar em geral,e connosco em particular. Dizer coisas como "estou a contarcontigo para me ajudares na arrumação" ou "como estamosatrasados preciso da tua ajuda para sermos mais rápidos", permite darresponsabilidade à criança. Simultaneamente, estamos a reforçar a suaauto-estima e confiança.
3.Desenvolver uma comunicação genuína e emocional:
É muito importante paraa criança que os pais exprimam o que sentem perante os comportamentos dela.Mais do que fazer acusações, diga coisas como "depois de um dia detrabalho, sinto-me ainda mais cansada quando tenho que apanhar todos os teusbrinquedos" ou "é muito frustrante para mim quandovoltas a fazer uma coisa que eu te pedi para não fazeres". Destaforma, estará a ajuda a criança a perceber o impacto que as suas acções têm nosoutros. Para além disso, estamos a ensiná-lhe a fazer o mesmo, e a aprender aperceber e expressar o que sente, relativamente aos comportamentos que osoutros têm com ela.
4.Apresentar o que tem que ser feito, sob a forma de escolhas:
Resulta muito bem,responsabilizar os nossos filhos pelas suas escolhas. Querer uma coisa, muitasvezes, significa abdicar de outras. E é importante deixar claro que são asescolhas da criança que farão a diferença. Se a criança não quer sair do banhoporque está a brincar, mais do que ficar numa eterna insistência, é importantemostrar-lhe que tem que optar - "queres sair do banho e ver unsdesenhos animados antes do jantar ou queres ficar a brincar e jantar sem ver osdesenhos?". À medida que o seu filho for crescendo, as opções podem serdiscutidas directamente com ele.
5.As famosas consequências:
Apesar de todas asestratégias de prevenção, "idealmente", o nosso filho vai, aindaassim, assumir comportamentos que devem ser "trabalhados". Uma boaforma de intervir, e ajudar o seu filho a desenvolver a noção deresponsabilidade, é através do uso das consequências. Mais do que a punição,esta estratégia educativa permite uma aprendizagem e desenvolvimento efectivosdo nosso filho. As consequências podem ser naturais ou lógicas.
As consequênciasnaturais são aquelas que acontecem independentemente da nossa acção.Por exemplo, depois de avisar algumas vezes que, a plasticina, não sendoguardada depois da utilização, seca, então é importante que os pais deixem quea acção natural das coisas aconteça. Se a criança não arrumou, deixamos que aplasticina seque. A aprendizagem dar-se-á de forma natural, quando a criança,querendo brincar, não consegue. Para não perder o seu efeito, é importante queos pais não comprem outra plasticina no imediato (isso seria assumir aconsequência pela criança, e gera uma aprendizagem muito perigosa). Éfundamental que os nossos filhos possam sentir na pele as consequências dassuas escolhas. Podemos acompanhar a situação com alguma empatia, o que ajuda acriança a entender o valor protector das regras - "A tuaplasticina secou? Por isso é que te expliquei que quando não a arrumamos depoisde usar, ela seca. Não deve ser fácil para ti ver que já não dá para brincarescom ela".
As consequênciaslógicas, são aquelas em que os pais fazem uma ligação lógica a algo quefica em prejuízo, devido ao comportamento da criança. Por exemplo, "pintastea parede do teu quarto, agora vou ter que ficar a limpá-la e já não vamos poderir ao parque". Também podemos, quando é possível, e a criança já temidade para isso, criar consequências reparadoras - "pintaste aparede do quarto, agora, em vez de brincares a outras coisas, terás que ficar alimpá-la".
Na realidade, asconsequências lógicas, podem ser vistas como uma forma de castigo saudável eligado ao comportamento. Dizer à criança "pintaste a parede doquarto, agora vais ficar no teu quarto a pensar!" funciona comouma punição, que gera essencialmente zanga por parte da criança. Muitas vezes,esta não entende porque é que pintar a parede é um problema, nem o que é queisso tem a ver com ficar fechado no quarto. A consequência lógica, permite àcriança atribuir-lhe um sentido de justiça que vai ser fundamental para aintegração da aprendizagem, mais do que alimentar a zanga com os pais.
6.Outras estratégias:
É importante ter emconsideração que, em crianças mais pequenas, poderão existir situações em que aintervenção dos pais pode ter que ser mais física. Se a criança faz algo que amagoa ou magoa outra criança, tenta subir a uma janela, ou faz outra coisaperigosa, os pais devem impedi-la, pegando-a ao colo, retirando-a da situaçãoou agarrando as suas mãos ou pés. É muito importante agir sem agressividade, oobjectivo é ajudá-la a controlar-se quando ela ainda não é capaz de o fazer porsi mesma.
Nas crianças maiscrescidas, é importante conversar com elas em momentos em que ambos estejammais calmos. Explorar e procurar soluções conjuntas para as situações difíceise que se têm vindo a repetir, é importante. Assim cria-se um plano conjunto,com responsabilidade de ambas as partes. Isso ajuda a envolver a criança e amotivá-la mais para a colaboração. Perguntas como "o que é que sepassou à bocado? Como é que te sentiste? O que achas que podemos fazer para quenão volte a acontecer?" vão ajudar a encontrar um espaço comum deentendimento.
Não esquecer que, acimade tudo, os pais devem focar-se em trabalhar a cooperação dos filhos. E osfilhos cooperam, quando se sentem ligados e em sintonia com os seus pais.Relações de poder e força tornam a criança mais dependente e separamemocionalmente, relações de confiança e respeito, autonomizam, aproximandoemocionalmente. E este é o "paradoxo" que queremos nas nossasvidas.