Os Vs | Nós escrevemos com a mão esquerda
13.08.15 | Vera Dias Pinheiro
A 13 de Agosto celebra-se o Dia Internacional do Canhoto.
Eu sou canhota e o Vicente dá, cada vez mais, sinais de o ser também: a mão que reage primeiro é a esquerda e o pé que chuta a bola é o esquerdo.
Para mim, ser canhota nem sempre foi fácil. Sempre fui a única nas turmas da escola e por ser tão "especial", ouvia, muitas vezes, por parte dos professores, que "para canhota até tinha uma letra muito bonita". E, apesar de, na minha geração, os canhotos já não serem muito castigados na escola e na sociedade, a geração dos meus pais ainda tinha sofrido muito.
Quando era pequena lembro-me de ouvir muitas histórias de pessoas que foram obrigadas a aprender a escrever com a mão direita à força (com castigos, mãos amarradas, palmadas...). De alguma forma e ao ouvir tudo aquilo, eu pensava que ser canhota continuava a não estar certo e em casa fazia sempre os trabalhos de casa duas vezes: a primeira vez com a mão direita e a segunda com a mão esquerda - que ia corrigir o que a outra mão tinha feito de errado. Em casa também era a única canhota e não me lembro de haver, na família, outros casos.
No entanto, o tempo vai passando, vamos crescendo e amadurecendo e acabamos por nos aceitarmos como somos. Habituamo-nos a usar o x-acto em vez da tesoura, porque ficamos sempre magoados na mão; a sujarmo-nos inevitavelmente com o lápis ou a caneta, porque escrevemos ao contrário e passamos por cima do que acabamos de escrever; e depois há as cadeiras dos auditórios das faculdades (e não só) preparadas com a mesa de apoio sempre do mesmo lado - o lado direito - e das duas uma: ou não escrevemos nada ou então temos de nos virar todos na cadeira de modo a conseguir tirar alguns apontamentos (mas o pior mesmo eram os dias de exame). E as canetas, tão inofensivas, também não são nossas amigas. E já para não falar de quando nos sentamos ao lado de um destro para comer ou escrever e acabamos os dois às cotoveladas.
Lembro-me de um dia o meu pai ter chegado a casa com uma caneta e uma tesoura própria para esquerdinos, mas eu, demasiado nova e ainda pouco consciente, achava que aquilo só iria fazer de mim ainda "mais diferente", sem pensar que, de facto, faz sentido que existam certas coisas adaptadas a quem é canhoto: tesouras, facas com formatos diferentes, canetas, por exemplo.
A dificuldade que temos na escrita, a razão pela qual muitos de nós viram por completo as folhas onde escrevem e fazendo-o de forma "esquisita" - o que torna a caligrafia quase ilegível - no fundo, tem muito a ver com a inadequação dos materiais. Neste sentido e se pensarmos neste assunto um bocadinho mais a sério, chegamos facilmente à conclusão de que a sociedade não se preparou para nós.
Contudo - e como uma espécie de consolo ou de recompensa - os canhotos são sempre apontados como os mais inteligentes, os mais criativos e com as suas capacidades cognitivas mais desenvolvidas. Para além disso, temos mais facilidade em usar o nosso outro lado do que um destro. Se é ou não verdade, eu não sei, mas gosto de acreditar que sim e o que é certo é que muitos génios da nossa história foram canhotos: Albert Einstein, Leonardo Da Vinci, Pablo Picasso, Alexandre (o Grande), entre muitos outros.
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