Recomendo | Saudade Flores
12.08.15 | Vera Dias Pinheiro
Quem nos segue também pelo Instagram e pelo Facebook já nos ouviu falar daAna, que vende flores com a sua bicicleta, a Saudade Flores. Cruzei-me, a primeira vez com ela, no jardimda Parada, em Campo de Ourique, num dos nossos passeios a seguir à escola.Podia ter simplesmente passado, ter observado as flores e ter continuado o meucaminho com o Vicente. No entanto, alguma coisa me puxou para ir mais perto, conhecer a Ana e perguntar-lhe o que fazia ali com aqueles bouquets tão lindos de flores.
E, depois de ter tido a oportunidade de falar um pouco mais com aAna e de conhecer um pouco da sua história, foi muito fácil, para mim, percebero porquê "daquela atracção". O seu espírito livre, a sua capacidadede largar tudo para ser mais feliz - mesmo que isso implique dar um passo emdirecção ao desconhecido - foi como se estivesse a ver-me ao espelho, ouvi-la falar foi como tocar aquele que é o meu dilema interior, desde que regressamos de Bruxelas e desdeque percebi onde sou feliz e onde me sinto realizada.
O facto de ter vivido expatriada, de ter vivido numa cidade cheiade coisas novas para mim e onde tinha que criar as minhas rotinas e as minhasrelações, tornou-me menos tímida e aguçou ainda mais a minha curiosidade. Criar amizadesnovas para mim é natural, fazer uma conversa com conteúdo e interesse comalguém que não conheço, mas que me desperta a atenção, não me faz confusão.Pelo contrário, adoro! Adoro perceber que nem todos estamos subordinados aoconvencional, adoro saber que há pessoas que correm atrás dos seus sonhos, mesmoque isso implique "ficar sem seguro de saúde" - quando alguém diz quese vai despedir, é com isto que são imediatamente confrontados - correr atrásdaquilo que se gosta, especialmente quando isso implica não ter uma rede deamparo e não ter certezas se as coisas vão correr bem, não é tarefa fácil e nemé para todos. É, por isso, que admiro a coragem de quem o faz e que o diz comum sorriso na cara tão sincero e tão feliz de quem sabe que, independentementedo que seja o futuro, tomaram a decisão certa.
SAUDADE FLORES, Ana Carolina Rocha.
1.Quem é a Ana?
A Ana é a Ana CarolinaRocha, 27 anos, brasileira de São Paulo, designer de moda que trabalhou na áreapor 7 anos, em marcas como Zara, C&A, Fila e Asics e, há pouco mais de 1ano, mudou de rumo profissional, e abriu seu negócio-próprio como florista.
2. Quando chegaram a Lisboa (e o porquê de terem escolhido estacidade)?
Chegamos, eu e meu maridoRaphael, em Janeiro deste ano (2015), com o objetivo amplo de simplesmenteviver aqui, o que é assustador e libertador ao mesmo tempo!
Tínhamos,individualmente, nossas nacionalidades portuguesas há algum tempo, estávamoscada vez mais insatisfeitos com o estilo de vida em São Paulo: caótica, hostil,cada vez mais cara, as perspectivas, para além de São Paulo, também eram demuita violência e uma crise política e econômica. Somado a isso, eu já tinhafeito a primeira ‘revolução’ que larguei a minha carreira como estilista, paratrabalhar como florista-ajudante numa flowershop de amigas. Meu maridotambém já estava disposto a se desligar da carreira de advogado do Estado. E,assim, viemos, duas malas cada um, mais a bicicleta!
Lisboa foi eleita pelo coração, mas racionalmente também fez totalsentido. Além dos laços familiares portugueses, a cultura, a língua, o estilode vida era muito o que procurávamos: uma cidade menor e mais calma, mas aindasim cosmopolita. Ensolarada e dourada, mas com vento fresco e estações do anodefinidas!
E em termos econômicos, o custo de vida era compatível com o quepodíamos "arriscar". Por fim, acreditei desde o início (brasileiraotimista que sou), que mais valia entrar no final de uma crise portuguesa,criando oportunidades novas para mim e para os envolvidos, do que ser engolidapela onda ruim que ainda vai atingir o Brasil.
3. De onde vem a paixão pelas flores?
Foi quando comecei atrabalhar na "A Bela do Dia", flowershop de São Paulo,das sócias Marina Gurgel e Tatiana Pascowitch, cuja essência é a mesmada Saudade Flores (tive a benção delas para traduzir essa ideia para a Saudade!).Conheci-as pois já era cliente (e também ciclista urbana em São Paulo). Comeceicomo entregadora dos arranjos florais de bicicleta, e aos poucos fui-meencantando com o universo das flores e simultaneamente elas notaram que eutinha grande habilidade com os arranjos, e aí os universos se entrelaçaram:cores, texturas, proporção e forma tem tudo a ver com o que eu fazia até entãona moda, e que passei a aplicar de novas formas com o design floral! Depois deum tempo, ser florista-assistente já era meu emprego formal e assim foi atéminha mudança para Portugal.
4. Quem "é" aSaudade Flores e o porquê o nome Saudade?
A Saudade Flores é uma flowershop onbike. O ateliê onde os arranjos são criados (e a bagunça que sobra depois)é o meu quintal, o meu jardim. Mas o transporte, venda, exposição dos ramos éfeita toda na bicicleta pelas ruas de Lisboa.
Eu, Ana, como sócio-fundadora, sou responsável por todobranding, business-marketing e a parte prática da compra das flores direto nosprodutores, design floral, transporte e venda.
O nome Saudade me surgiu no processo de mudança para Portugal,entre as festas de fim de ano com os familiares, já havia um clima dedespedida.
Raphael, como sócio, é responsável pela parteadministrativa, jurídica, e divide a gestão financeira comigo.
Saudade era a palavra que interligava todos os pontos: palavraforte e delicada ao mesmo tempo, de imenso significado, significado esse únicona língua portuguesa, que por sua vez é o que liga o país de onde vim ao queestou, e é o sentimento de maior presença em minha vida. Por fim, quando seleva um raminho de flores para casa, para si ou para alguém, essa é uma formade dizer coisas, é energia e interação. Saudade é tudo isso. Nem muitomelancólico, nem de todo radiante!
5. Como tem sido aintegração e como é que as pessoas têm "recebido" a Ana e a suabicicleta?
A integração tem sido muito positiva! Estou a testar a venda e a"passagem" por diversos sítios da cidade. Alguns são mais receptivos,outros menos. E a recepção não está diretamente ligada a vender muito. Há diasque converso e troco idéias com diversas pessoas de um bairro, e é ótimo, masnão vendo nada! Fico rica em outros sentidos!
Mas no geral o propósito da Saudade Flores estáse cumprindo: é vender ramos de flores mais modernas, a preços acessíveis, nabicicleta, para uma maior interação com a cidade, com as pessoas.
E eu já tenho ouvido por aí "a menina das flores", a "florista nabicicleta". Isso diz tudo.
6. Onde podemos encontrara bicicleta actualmente?
Já temos uma clientela a se formar em Campo de Ourique, no Jardimda Parada. Fico por lá as quintas e sextas-feiras a partir das 17h, até nomáximo 20:30h.
Além deste sítio, participamos de alguns eventos, temos já algunsassinantes mensais dos arranjos, o que faz da nossa agenda "flexível", abicicleta acaba por transitar por diversos sítios. Mas sempre avisamos atravésde nosso Facebook e Instagram, onde vamos em cada dia, para que as pessoas possam nos contactar ou nosencontrar!
7. Planos para o futuro?
Ainda estamos em versão "beta" por assim dizer. Estamoscumprindo todas os passos jurídico-administrativos e assim que tivermos tudoaprovado, a nossa bicicleta oficial da Saudade Flores entrará em cena, elétrica(pois hoje é com a minha de 7 mudanças e minhas pernas, a subir essas colinastodas!), equipada e adaptada para vender, expor, embalar os ramos de flores.
Paralelo a este processo, queremos estabelecermais assinaturas mensais com empresas, escritórios, lojas, restaurantes epessoas que queiram seus ambientes decorados com flores frescas repostassemanalmente, mas com custo fixo mensal.
E, a longo prazo, estimo um ateliê-loja em um sítio de boalocalização (principalmente para peões e ciclistas!). Nos dias muitos quentesou muitos frios, as flores e a florista agradecem!
8. Três palavras que descrevam a Saudade Flores?
Fresco. Criativo. Acessível.
9. É fácil andar debicicleta em Lisboa?
Olha, vinda de uma metrópole de 10 milhões de habitantes, eu possodizer que sim!
A geografia certamente é mais difícil que São Paulo (lá hácolinas, mas há ‘rotas alternativas’ também), e também por este fator, há poucaadesão a cultura da bicicleta aqui, o que vem mudando muito, graças a uma maltade ciclo-ativistas alfacinhas!
A educação e respeito notrânsito, em geral, são mais notáveis aqui, apesar de
eu não perceber o porquê de alguns desvios de ‘conduta’ aqui…comopor exemplo as pessoas todas estacionarem seus carros em qualquer sítioliteralmente…atrapalhando peões, ciclista e outros motoristas que fazem umasinfonia de buzinas nessas ocasiões.
Resumindo, nem tão São Paulo, nem tão Copenhagen!
Ofacto de ser brasileira, com o seu jeito mais caloroso de falar - não fiz qualquercorrecção ao seu "português" - pode ajudar, porém penso que aboa energia que a Ana nos transmite está para além do seu sangue brasileiro.Assim, a minha sugestão é que passem pelo Jardim da Parada, a uma quinta ousexta-feira, ao final da tarde, procurem por esta linda bicicleta, parem paraver as flores e junto delas vão encontrar a Ana com um enorme sorriso... com um sorriso de gente que é feliz!!!
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QueridaAna, muito obrigada por todos os minutos de conversa que me dispensas, pela tuasimpatia e pela tua boa energia. Desejo-te muito sucesso e vou estar por pertoa acompanhar a evolução da Saudade Flores! Até breve!