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Pais & Filhos ! Consultório da Dra. Ana Guilhas [escolhas educativas - parte 2]

09.07.15 | Vera Dias Pinheiro
Esta semana retomamos o consultório com a Dra. Ana Guilhas. No seu último artigo, falava-se das escolhas educativas, da forma como nós devemos encontrar o equilíbrio no momento de exercer a nossa autoridade, enquanto pais, nomeadamente quando é necessário fazer uma chamada de atenção ou corrigir um comportamento.
Na altura, dada a complexidade deste tema, a nossa psicóloga optou por dividi-lo em três partes, sendo que a primeira parte podem (re)ler aqui, e, agora, é altura de deixar-vos com a continuação. 



Escolhas Educativas

- Parte 2 -

Evolução das práticas educativas.

Hoje sabe-se que existem respostas melhores do que os castigos, gritos e humilhações. Sabe-se que os nossos filhos, sem uma autoridade salutar, poderão tornar-se adultos inseguros, com baixa auto-estima e/ou que tentam sistematicamente cumprir as expectativas de outras pessoas (perdendo a sua essência e a sua verdade pelo caminho). No entanto, ainda é muito frequente confundir-se autoridade e autoritarismo, respeito e medo. Dar uma "boa educação" ainda é, para alguns pais, criar filhos obedientes. Para algumas pessoas, o “bom filho” ainda é aquele que corresponde às expectativas dos pais.

Gradualmente, vai ganhando terreno uma visão, das relações em família, assente no respeito mútuo, na confiança, no investimento a longo prazo e na liberdade com regras e limites. São também algumas as sugestões para se chegar a uma forma de parentalidade mais alinhada com uma "nova consciência". Mas, comecemos pelo que já não queremos fazer. 

Gritos, palmadas e afins...

É preciso que os pais se consciencializem de que bons resultados e resultados imediatos, são coisas diferentes. Porque, inevitavelmente, se o que pretendemos são resultados imediatos, então o caminho faz-se pelo autoritarismo. Da mesma forma, se quisermos uma obediência “cega”, e se quisermos que os nossos filhos moldem os seus comportamentos por medo das consequências, o caminho de uma parentalidade autoritária é, sem dúvida, a escolha certa. Há no entanto, que estar consciente das consequências desta escolha.
Palmadas, gritos, punições e chantagem, são de eficácia a curto prazo. Na grande maioria das vezes, as crianças começam a procurar formas de continuar a fazer o mesmo, mas sem serem apanhadas. Outras crianças, só se limitam nas acções enquanto acreditam poder haver um castigo. Assim que já não há esse perigo, ninguém sabe verdadeiramente como vão agir (e podem colocar-se, inclusivamente, em situações de perigo). Na realidade, são crianças que não aprenderam o valor das suas escolhas, não desenvolveram a noção de responsabilidade e não aprenderam mecanismos de auto-regulação e de protecção de si-mesmos. 

A longo prazo, os pais que escolhem esta forma de educação ganham uma insegurança para toda a vida, a de nunca saberem exactamente com o que podem contar da parte dos filhos. Para estes pais, vai ficando cada vez mais difícil ver os seus filhos a crescer, e têm muita dificuldade em lhes dar liberdade. Na realidade, e no seu íntimo, não confiam no resultado das suas práticas educativas. Quanto mais a criança cresce neste registo, maiores as probabilidades de vir a viver uma adolescência "arriscada".

Acresce a isto, que as relações assentes em autoritarismo, afastam, mais do que aproximam. Filhos de pais autoritários, ainda que muitas vezes, mantendo-se num estado de grande dependência emocional dos pais (da qual, alguns, se vão tentar libertar na adolescência) sentem, simultâneamente, distanciamento afectivo. São crianças que partilham muito pouco dos seus receios, emoções e necessidades. Carregam o sentimento de não serem verdadeiramente amados.
Se, por exemplo, a palmada rapidamente interrompe uma birra (trocando-a pelo choro da dor física e/ou emocional), por outro, passa uma mensagem pouco óbvia para nós, mas muito significativa para  a criança. Os nossos filhos aprendem que bater no outro é uma forma adequada de agir para solucionar determinadas situações. Aprendem que a agressão de uma pessoa mais forte sobre uma mais fraca é aceitável. E, por fim, aprendem que é normal agredirmos quem amamos (ou dizemos amar). Para além disso, os sentimentos vividos na situação são, da parte da criança, de tristeza, ressentimento, sentimentos mistos e ambivalentes de culpa e raiva, e por vezes, desejo de retaliação. Os pais, eles, são invadidos por outros tantos sentimentos, também eles pesados e penalizantes para si mesmos e para a relação. Há que ter presente, que sempre que batemos num filho, (re)colocamo-nos a nós mesmos, nas situações, do passado, em que nos bateram (ou vimos bater). Com toda a carga emocional que isso implica. 
Ainda assim, devo dizer que, os gritos e as palmadas não são motivo para que os pais se sintam de repente pessoas terríveis e que tenham que carregar uma culpa interminável (que também vai afectar a sua relação com os seus filhos). Devem sim, encarar esses momentos, como situações pontuais e oportunidades de aprendizagem. Há que assumir que aquela reacção, diz muito mais sobre os pais (e o seu estado emocional) no momento, do que propriamente sobre a criança.

A polémica palmada pedagógica...

Parece-me importante percebermos que existe como que uma gradação no que diz respeito à resposta educativa e relacional, que vai desde o não reagir à situação (que é o mesmo que não reagir à criança), passa pelo reagir de forma desadequada (pouco consciente e informada) e vai até ao agir o melhor que se consegue. Esta última, corresponde a uma resposta suficientemente boa para que a situação desbloqueie, seja ultrapassada e possa representar um crescimento para todos os elementos envolvidos.

Mesmo que isto seja difícil de aceitar, pior para o desenvolvimento emocional de uma criança, é a total ausência de reacção por parte dos pais. Crianças a quem não é colocado nenhum tipo de limites, de nenhuma forma, sofrem mais que crianças que recebam, pontualmente, uma palmada. Estes, não deixam de estar, naquele momento, a investir no seu filho, e mal ou bem, tentam fazer o melhor que podem. 

Não reagir a uma criança quando ela faz algo que sabe no seu íntimo não poder (e fá-lo precisamente para sentir que tem a seu lado adultos atentos e que a vão proteger de si mesma), é abandoná-la a um vazio afectivo extremamente desestruturante e perigoso. Parece-me que esta é a razão, pela qual se vêm, ainda, na área da saúde mental e pediatria, alguns defensores da "palmada pedagógica". Essa palmada, é dizer "eu estou aqui, mal ou bem, sou teu pai/mãe, e o que tu fazes afecta-me e envolve-me o suficiente a ponto de eu reagir com tamanha intensidade". Note-se que fazendo-o, não estamos perante uma resposta educativa adequada, apenas perante envolvimento, por oposição a um não envolvimento parental.

Pessoalmente, palmadas e gritos, apenas fazem sentido como reflexo da incapacidade dos pais de reagirem de forma diferente naquele momento, e como oportunidade de tomada de consciência para o desenvolvimento de outras formas de (re)agir. 

Note-se que contar até 100 e esperar para conversar com a criança mais tarde, quando todos se encontram  mais calmos, não é considerada uma não reacção (antes pelo contrário).

A pergunta que agora se impõe, é...

Não devemos gritar, não devemos bater, então como é que se faz?! A resposta chega no próximo artigo, terceira e última parte deste tema, na qual desenvolveremos as estratégias de acção para a vivência das regras e das frustrações (aprendizagens fundamentais e estruturantes para a vida em família e para a vida adulta) de forma construtiva, respeitosa e mais harmoniosa.



Texto por Ana Guilhas, psicóloga.



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